Três Anúncios Para Um Crime, um cruel retrato da vida
Três Anúncios para um Crime é um drama engenhoso que revela a parábola da vida de maneira melancólica, cruel e realista.
É certo dizer que as histórias mais marcantes são aquelas que, acima de tudo, desenvolvem seus personagens, a ponto de torná-los tão humanos quanto nossos vizinhos. Que compreende as nuances e de que não existe um bem ou mal, mas um certo ou errado, ainda que isso seja divergente. Martin McDonagh tem pleno domínio de sua narrativa, que ele escreve e dirige com excelência. Mas abre mão de qualquer apuro técnico (com exceção daquele incrível plano sequência no segundo ato) para aprimorar os diálogos e permitir assim que seus atores esbanjem todo o talento pelo qual foram contratados a demonstrar nas telas.
A trama de Três Anúncios para um Crime
Inconformada com a ineficácia da polícia em encontrar o culpado pelo brutal assassinato de sua filha, Mildred Hayes decide chamar atenção para o caso não solucionado alugando três outdoors em uma estrada raramente usada. A inesperada atitude repercute em toda a cidade e suas consequências afetam várias pessoas. Especialmente a própria Mildred e o Delegado Willoughby, responsável pela investigação.
Agora note como a construção da premissa subverte a trama clássica de vingança, para torná-la algo a mais. Não temos cenas do estupro ou de uma investigação em andamento. Este não é um filme de suspense ou de revanche, mas um drama elaborado. Primeiramente, sobre pessoas e as consequências do luto e da injustiça. Mas também sobre o peso de uma questão inacabada e da maneira como cada um lida com a perda ou com a iminência da morte.
A Forma da Água, outro ganhador do Oscar de 2017
O Oscar de Melhor Atriz e de Melhor Ator Coadjuvante foram mais do que merecidos, entre as sete indicações e de outras premiações certeiras ao redor do globo. Frances McDormand rouba todas as cenas que aparece. Com uma performance formidável, de ira contida e postura rígida. Com olhares que entregam bastante desconfiança, amargura, fúria e desprezo, em momentos memoráveis ao longo da história. Como quando confronta o padre na sala de casa; quando vê um cervo na cena do crime; ou quando está numa sequência desesperadora envolvendo um incêndio. Sua Mildred diz muito, com pouco, em uma das maiores atuações do cinema moderno de todos os tempos.
Um filme que merece a sua atenção
Woody Harrelson e Sam Rockwell não ficam atrás e apresentam figuras policiais bastante humanizadas. Eles vão se configurando de maneira improvável e entregando resoluções inesperadas, mas não forçadas pelo roteiro. Complementam questões ou inevitáveis, ou mutáveis o suficiente para certo amadurecimento moral. De qualquer maneira, o longa não apresenta soluções fáceis como geralmente acompanhamos em enredos comerciais. Aqui, tal qual a nossa vida, não se entrega um desfecho exatamente satisfatório, mas condizente com o que foi apresentado. E nem sempre com um ponto final.
Mas McDonagh também compreende a necessidade da ironia e usa de um humor negro muito particular de sua cinematografia. Executa diálogos e sequências marcantes, mas fortemente absurdistas, que se à primeira vista podem soar fora de tom, se provam posteriormente a peça que faltava para encaixar na vida ridícula das pessoas que não conseguem seguir adiante. Assim, entre as várias emoções que Três Anúncios Para Um Crime nos permite, você ainda ri. Ri sim. Mas ri de nervoso.