True Detective – 3ª temporada, uma obra-prima
Depois de uma primeira temporada formidável, a antologia policial True Detective retorna resgatando elementos de origem e acertando em cheio. Nic Pizzolatto, criador da série, narra a história de um crime macabro na região dos Ozarks, envolvendo um garoto morto e sua irmã desaparecida. O mistério se prolonga por três décadas (1980, 1990 e 2015).
Retornando à boa forma depois do fiasco da segunda temporada, o autor simplesmente resgatou alguns elementos da primeira temporada (de longe a melhor série da atualidade e ainda insuperável, mesmo diante desta terceira) para compor a narrativa, mantendo-a não-linear, com linhas do tempo variadas, com um crime e um mistério macabros o suficiente para se sustentarem ao longo de bem aproveitados 8 episódios.
Ainda que a nova produção faça uso de ícones semelhantes ao que acompanhamos na investigação de Rust Cohle e Martin Hart, ela não gera ecos e tem suas próprias particularidades. Na primeira, O Rei de Amarelo era a conexão de flerte com o sobrenatural. Aqui, é a teoria do tempo não-linear (fora algumas sugestões de “fantasmas” em forma de lembrança), com dois detetives ainda mais humanizados, com personalidades distintas, mas menos tóxicos do que no anterior.
True Detective
O pano de fundo da obra de origem também era a amargura de Cohle pela existência. Um ser que havia desistido de acreditar na vida depois de tudo o que viu. Já o novo protagonista é carregado pelo amor a uma mulher. E esse sentimento muda não só sua carreira, como também a compreensão do caso.
Mahershala Ali, que acabou de ganhar o Oscar novamente, brilha sozinho por aqui. Um dos maiores atores de seu tempo, ele consegue interpretar três versões de si mesmo (o detetive Wayne Hays). Ou seja, em 1980, um homem centrado e gentil; em 1990 um homem irado, desgostoso e quase cruel; e em 2015 um idoso com Alzheimer, que vive agoniado e retoma do passado o caso mais importante da sua vida para continuar vivendo no presente.
Mesmo com a competentíssima maquiagem nos atores, Ali convence como um homem em três tempos, da personalidade a linguagem corporal, de maneira honestamente assombrosa. O gênio está muito bem acompanhado pela grande Carmen Ejogo como Amélia, a mulher por quem ele se apaixona, depois casa e depois serve como voz da consciência, colaborando no caso através de um livro que escreveu, mesmo depois de morta; e de Stephen Dorff, que consegue injetar muito coração e energia na parceria com o homem.
O que esperar dessa terceira temporada
O elenco é caprichado, mas vale uma atenção especial a Scoot McNairy como o pai desesperado das crianças; Sarah Gadon como a repórter que reaviva a investigação no presente; e a pontualidade de Ray Fisher, como filho do detetive.
Pizzolatto sabe dosar suspense e drama, distribuindo bem as pistas e novos elementos do caso episódio a episódio, sem abandonar o lado humano da série, que enxerta riqueza na história. Afinal, maior do que qualquer crime, esta é uma trama de personagens. As resoluções vão se apresentando gradualmente e mais uma vez o último episódio é o menos impressionante (assim como foi na primeira temporada), onde o autor costuma quase perder o gás, ainda que consiga entregar explicações convincentes, destinos certos e um desfecho honestamente agridoce, mas totalmente coerente com tudo o que tinha sido proposto até ali. Mesmo com o caso irresoluto, que leva o velho detetive em busca de uma última resposta, é a reconciliação com a esposa nas três décadas, que serve verdadeiramente de redenção para o personagem.
No mais, a dramaturgia é enriquecida pela teoria do tempo não-linear, defendida por vários estudiosos. Em um plano microscópico de leis fundamentais da física (como as leis de Newton, Einstein e a teoria quântica), o tempo não tem direção. Em outras palavras, de acordo com essas leis, não existe diferença, assimetria e irreversibilidade entre passado e futuro. As leis da física tratam a direcionalidade do presente para o passado exatamente da mesma forma que tratam a do presente para o futuro. Esse elemento é apenas esboçado em alguns episódios.
O que é o tempo, afinal?
Em alguns momentos, Hayes idoso vai até um lugar e vê a si mesmo em 1990 fazendo outra coisa. Até aí, nada de mais, afinal compreende-se na linguagem audiovisual que é como se o homem estivesse reavivando as memórias. A grande sacada, porém, se dá ao contrário, quando então a câmera muda o foco e mostra o Hayes de 1990 tendo a sensação de ser observado por alguém em outro canto. Não é um elemento sobrenatural, mas um tratado inteligente sobre a não-linearidade do tempo. Um homem em auto-julgamento, repleto de arrependimentos, que tem na memória sua maior inimiga, por isso transita entre o passado e o futuro para encontrar uma última resposta no presente.
Assim, quando a última cena do último episódio se apresenta, entendemos a sutileza do roteiro, levantamos e aplaudimos. A terceira temporada de True Detective faz jus ao legado de obra-prima criado pela primeira, fornecendo um entretenimento vigoroso.