Vermelho Monet (2024)

Um filme obrigatório para todo artista.

Qual o papel da arte? Só há valor se houver uma história por trás? E quanto ao papel do artista? Uma obra, por si só, satisfaz o âmago de seu criador ou para isso seria necessário haver um sucesso comercial? 

Essas são algumas das questões que podem ser levantadas em “Vermelho Monet”, novo filme de Halder Gomes coproduzido por Portugal que chega aos cinemas brasileiros no dia 09 de Maio.

Na obra, Johannes Van Almeida (Chico Diaz) é um pintor sem renome que está perdendo a visão. O personagem já não enxerga mais cores, apenas um preto e branco acinzentado. Florence Lizz (Samantha Heck Müller), uma jovem atriz brasileira que será protagonista de uma produção portuguesa, está encarando as dificuldades do papel, como treinar seu sotaque e lidar com as críticas por ser uma estrangeira. No meio deles está Antoinette Lefévre (Maria Fernanda Cândido), uma talentosa marchand, profissional que apresenta obras de arte para potenciais compradores.

São muitos os pontos a destacar, mas vou começar pela composição das cenas, que é extremamente bem feita. Gomes, mais conhecido por dirigir comédias (Os Parças), mostra-se super competente nesse drama. Filmando de modo muitas vezes intimista, dá o tempo em cena necessário para que os sentimentos sejam absorvidos. Os atores também encontram-se incríveis em seus papéis. Elogiar Maria Fernanda Cândido é chover no molhado; falando quatro idiomas, ela constrói em Antoinette uma mulher firme, determinada, mas com breves momentos de fraqueza. Sua relação com Florence, à princípio meramente carnal e quase reverente, evolui para algo mais profundo, em que as verdadeiras intenções de ambas se misturam com seus próprios desejos e anseios.

Em uma conversa com Florence, Antoinette revela conseguir transformar qualquer quadro em uma “grande obra”, sendo necessário apenas criar uma majestosa história por trás. Florence então diz que ela é uma alquimista; consegue transformar merda em ouro. Essa conversa entre as personagens, aparentemente simples, retrata uma grande questão. Qual a visão da sociedade em relação às artes. Obras vendidas na casa dos milhares parecem ter uma estreita relação com exclusividade e raridade, somando-se a uma história de dificuldade ou de reconhecimento tardio de seu criador. Questão essa intimamente ligada ao personagem de Chico Diaz.

Em uma atuação comovente, Diaz constrói um Johannes quebrado, cuja existência se baseia em uma eventual retomada de inspiração ou tesão em produzir. Mais ainda, em viver. Um personagem apaixonado. Pela arte. Por sua esposa. Não pelo seu resultado, mas talvez pelo processo. Ser artista não lhe é uma escolha, mas uma parte de sua existência. Ao perder lentamente sua visão, é quase como se estivesse lentamente morrendo, com olhares sempre ávidos por algo que já lhe escapou. 

Por fim, temos a novata Samantha Heck Müller. Se não me engano, este é o primeiro filme que Samantha participa, mas em nenhum momento ela fica atrás dos intérpretes mais experientes. Sua Florence é uma jovem apaixonada pela vida e com a mesma determinação forte da personagem de Fernanda Cândido. Com monólogos poderosos, a personagem detentora dos cabelos “vermelho monet” também busca a excelência artística no treinamento para seu papel, buscando uma inspiração em seu relacionamento com Antoinette, quase que numa espécie de atuação de método — em que a atriz se relaciona psicologicamente com o personagem — agindo como tal mesmo fora das câmeras. Temos também uma certa euforia em ser a musa inspiradora de Johannes, mostrando a relação dessa vontade de criar, ou de inspiração uma obra de arte, com a libido e o movimento sexual. Sua personagem, assim como todo o filme, apresenta diversas camadas, e Müller entrega as nuances necessárias para representá-las. 

Um dos pilares do filme são as cores. Vermelho, a cor da paixão, do amor, da vivacidade; e o Azul, cor da tristeza, do soturno, da melancolia. Em toda a fotografia, estes elementos estão a postos, seja nas roupas dos personagens ou nos cenários, sempre ligados à personalidade ou ao momento apresentado. 

Em determinado ponto da obra, Johannes diz ser semelhante à cor azul. Um artista sem reconhecimento, perdendo algo fundamental para o exercício de sua arte, em uma busca incessante por algo que sequer sabe expressar. Ao conseguir ver a cor dos cabelos da personagem de Samantha, ele transborda de inspiração, pois é a mesma cor dos cabelos de sua esposa, sua musa inspiradora e parceira de produção, que atualmente se encontra em um estado quase vegetativo. Vermelho Monet; a cor do entardecer das obras do célebre pintor impressionista.

Esse súbito de inspiração faz Johannes ter uma espécie de fixação por Florence, e mais uma vez há a congruência da arte com a energia sexual; quase uma ânsia para se produzir e criar.

Vermelho Monet, a cor do entardecer. A cor do ocaso que precede a noite, que precede a escuridão. Uma última chama de vida anterior à ausência de cor; o preto. O fim. 

Um filme que merece ser revisitado constantemente e que tenho certeza que estará na lista de melhores do ano.

Nome Original: Vermelho Monet
Direção: Halder Gomes
Elenco: Maria Fernanda Cândido, Chico Diaz, Samantha Heck Muller.
Gênero: Drama
Produtora: ATC, Glaz e Globo Filmes
Distribuidora: Pandora Filmes
Ano de Lançamento: 2024
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