Você – 1ª temporada disponível na Netflix

Você é uma grande história de amor. Só que não. Adaptando o livro You de Caroline Kepnes, a série em 10 episódios narra a história do charmoso gerente de livraria que fica obcecado com uma aspirante a escritora e usa medidas extremas para entrar na vida dela.

Os criadores Sera Gamble e Greg Berlanti (que tem um currículo impressionante de séries juvenis, passando por Dawson’s Creek, Everwood, Supergirl e Riverdale), convertem a obra original em uma rica dramaturgia pelo ponto de vista do monstro, a maneira como a criatura de Frankenstein (inteligentemente referenciada aqui), com a narrativa acontecendo através de seu ponto de vista romantizado de um homem “apaixonado”, parcial e afetado pelas ideias e neuroses que ameniza em prol da consciência limpa. Ao mesmo tempo que é carregado de forte carisma e bom humor (por alguns delírios nerds reconhecíveis por qualquer público).

A trama da série Você

Assim, o estranho Penn Badgley consegue transmitir essa dualidade de seu protagonista, por quem às vezes bizarramente torcemos. Por mais que saibamos de seus atos hediondos. São vários momentos em que o rapaz mostra sua gentileza verdadeira. Seu lado feminista; sua preocupação com a amada; as palavras de força para levantá-la em uma situação difícil; os gestos românticos da rotina… e tudo isso é bem-vindo.

Salvo se ele não tivesse o outro lado, que vigia constantemente, persegue nas sombras, mata e some com corpos. Cria destinos para suas vítimas e arquiteta soluções para escapar de um crime. Isso sempre acompanhado de um raciocínio sagaz e irônico, que podemos ouvir em sua narração em off.

Luca Padovan, que faz Paco, merece atenção. O ator mirim de olhar melancólico é um prodígio que impressiona com seu próprio arco na produção. E é o único elemento que verdadeiramente humaniza Joe (que vê a si mesmo no passado e quer proteger o moleque de qualquer forma, sempre da maneira correta… até que não mais).

O que esperar da série

No outro espectro da trama, temos a Beck da lindinha Elizabeth Lail, que apesar de ser evidentemente a vítima, não se vitimiza e é também carregada de hipocrisia. Isso faz com que antipatizemos por ela em alguns momentos; e nos apaixonemos por seus olhinhos brilhantes em outros. De passado mal resolvido e presente sufocante, tentando alternar emprego, faculdade, uma aspiração de carreira e a vida adulta, a figura ainda é rodeada de perfis diversos de pessoas tóxicas. Tanto em namoricos, quanto no lado familiar e entre as amigas.

Inegavelmente, isso a torna um verdadeiro desafio para Joe. O que é responsável para que nenhum episódio perca o ritmo. A série leva o espectador impulsionado de interesse e energia do começo ao fim. O restante do elenco colabora para injetar elementos crucias na cama de gato que vem sendo traçada até um desfecho que não perdoa os pobres e ousa ao mostrar que não há uma reviravolta para o resgate e que quando se está escorregando para o abismo, você só tende a cair mais e mais, sem chances de retorno ou qualquer salvação.

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Repleto de referências literárias colocadas de maneira inteligente e que servem ao enredo, ora para ditar o próximo evento, ora para criar um paralelismo com o contexto presente, Você ainda sabe equilibrar as sensações diversas que joga em tela, inclusive a ponto de nos fazer torcer pelo casal protagonista. Sempre com mistérios bem pontuados e reviravoltas realmente inesperadas. Sempre que você acha que sacou um twist, o roteiro te engana e te mostra outro e isso acontece várias vezes, nunca desapontando.

A história também sabe trabalhar os vários níveis de stalkers, tema tão presente em nossas vidas. Do brilhante ao comum, do danoso ao assustador. E não escolhe lados, nem entrega redenção para seu vilão, muito menos pega leve com as vítimas, em um universo crível onde ninguém é santinho.

Então, em dado momento no clímax, um personagem tem uma epifania que sintetiza Você e seu protagonista, espelhando os livros clássicos: o Príncipe Encantado e o Barba Azul são o mesmo homem. Afinal, ninguém vive feliz para sempre.