Enola Holmes – Charmoso, estiloso e divertido
Entretenimento para toda família, sem correr riscos
O filme é baseado no livro ”Enola Holmes: O caso do marquês desaparecido” (publicado por aqui pela Verus), de Nancy Springer. A história segue a garota do título, irmã do maior e mais famoso detetive do mundo. Sua mãe, com quem morava, desaparece, então ela despista seus irmãos e vai em sua busca. Assim, ela vai descobrindo o melhor e o pior que o mundo tem a oferecer se envolvendo nas tramas de um jovem lorde. O filme trata sobre amadurecimento, com dois mistérios colocados na dose certa (ainda que nada complexos, são funcionais). Numa aventura divertida e dinâmica digna da Sessão da Tarde, com muito bom humor e boas sacadas de roteiro.
Harry Bradbeer, que dirigiu alguns episódios da fantástica série ”Fleabag”, retorna com seu recurso de quebrar a quarta parede, que nesse contexto funciona tanto para apresentar a protagonista e seu universo até então, e até mesmo mais adiante, incluindo cenas tensas, quando ela parece que está sendo afogada… mas dá uma piscadinha pro público, para revelar que na verdade estava fingindo.
Tudo isso contribui para o lado cômico do enredo, escrito habilmente por Jack Thorne. Ele parece entender tanto a linguagem da época, quanto dos jovens, sem que isso soe bobo. Dessa forma, aliado a uma trilha sonora envolvente, um belo design de produção e as duas tramas paralelas que caminham bem durante a narrativa, temos um ótimo entretenimento para toda a família. E em especial para as garotas, que verão em Enola Holmes mais uma figura empoderada (e nesse caso, também à frente de seu tempo), em quem poderão se inspirar.
Enola Holmes
Mille Bobby Brown está ótima e prova que consegue carregar um longa nas costas, se desvinculando tranquilamente de sua icônica Eleven. Sendo o coração e o cérebro do filme, ela entrega uma protagonista muito carismática. Por vezes valente, forte (com uma boa justificativa para suas sequências de luta decentes) e, em outras, sensível. Ou seja, é bem tridimensional.
É claro que o roteiro e a direção incitam uma caricaturização, por isso é normal ver atuações mais… caricatas e “forçadas”, que se encaixam certinho dentro da proposta. Sam Claflin e Fiona Shaw representam as figuras de teor patriarcal, que se opõem ao movimento sufragista ao qual Enola se identifica. O rapaz Louis Partridge tem boa química com Mille e a relação dos dois desconstrói o óbvio, o que é sempre bem-vindo.
Burn Gorman realiza aqui, pela enésima vez, um papel vilanesco, no qual sempre se encaixa, enquanto que Adeel Akhtar funciona como o meio bobo, meio “cego” inspetor Lestrade. Frances de la Tour oferece uma fofura improvável, à medida que Helena Bonham Carter aparece pouco, mas sentimos sua presença durante toda a história. Susie Wokoma ainda não disse a que veio. Henry Cavill faz uma versão light de Sherlock Holmes, mais gentil e empático, o que pode incomodar fãs fervorosos do detetive, mas é importante entender a proposta e saber que nesse contexto, ele estava em começo de carreira e ainda não tinha Watson ao seu lado.
Uma boa sessão da tarde
As mais de duas horas de rodagem não são sentidas pelo bom dinamismo da direção. Além disso, a edição é espertinha, usando recortes e colagens para brincar com algumas narrativas. No entanto, pouco se vê do lado detetivesco de Enola. Mesmo treinada pela mãe em várias artes e tendendo a ser como seu irmão do meio, a garota parece se prover mais de uma excelente memória (dado as dezenas de flashbacks pontuados para ajudá-la convenientemente aqui e ali), do que de um grande método dedutivo. Mas demos tempo ao tempo, ela ainda tem muito o que aprender.
Apesar de que também poderia funcionar como série, essa produção tem gás para gerar uma interessante franquia para a Netflix e isso não é mistério algum.