TENET – Christopher Nolan ao contrário
Para muita gente, assistir Tenet será um marco. Não pelos motivos habituais, que fazem uma obra desse nível ser lembrada, mas por conta de ser o filme que vai fazer uma galera aí voltar a frequentar uma sala de cinema depois de meses de isolamento fazendo pão e assistindo reprise de novela.
Assim o foi para mim. Antes do fechamento por conta do coronga (o vírus, não o filme), eu ia semanalmente ao cinema, de forma quase religiosa. Dependendo dos lançamentos e dos convites aqui do Vitamina Nerd, havia semanas que chegava a ir três ou quatro vezes no cinema. Praticamente um maníaco. E eu (evidentemente) adoro cinema.
De volta ao cinema
Mesmo assim, na noite anterior à cabine promovida pela Warner em uma das melhores salas IMAX de São Paulo, eu estava um tanto apreensivo. Depois de meses lavando pacotes de bolacha com álcool 70 eu iria espontaneamente me trancar em uma sala com outras 79 pessoas estranhas respirando o mesmo ar. No que diz respeito à segurança higiênica, não há o que reclamar da organização.
A capacidade da sala foi bem reduzida (por isso que eu sei que eram apenas 80 jornalistas – ou 79 jornalistas e eu, mas não deixa ninguém saber que não sou jornalista senão eles param de me chamar); o distanciamento foi respeitado com dois lugares de espaço entre cada espectador; as máscaras são obrigatórias; havia open bar de álcool gel na entrada da sala e ordem na saída da sessão para evitar que o corredor vire uma praia carioca. Além disso, a chefia do lugar jura que limpa obsessivamente todas as poltronas entre as sessões, de forma que seria seguro lamber o seu assento se você curte o fetiche (nem eu e nem o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino recomendamos a prática).
Conclusão
As novas normas realmente me deixaram muito tranquilo durante toda a sessão. E o filme merece essa experiência. Ser visto em uma tela gigantesca, com um sistema de som legal e toda aquela atmosfera que só o cinema pode transmitir. Uma coisa meio saudosista, que nos faz lembrar dos bons tempos de 2019, quando tudo era mais fácil.
Começar pela conclusão e ir caminhando para trás no texto é tudo o que esse filme merece. Afinal, a ideia dele é mesmo mexer com esse fluxo de tempo e deixar a gente confuso e maravilhado. Então, seguindo a ordem inversa dos fatores, o filme recebe sólidas 4,23 estrelas. E se você estiver imaginando se vale a pena arriscar a vida da sua avó para ir no cinema assistir, aí depende do quanto você ama a velha.
Talvez se você voltar pra casa e ficar uma semana trancado no quarto se alimentando de pizza porque é a única coisa que dá pra passar por baixo da porta, eu acho que tanto sua vó quanto o Christopher Nolan vão agradecer esse esforço. Obrigado, o mundo do cinema te saúda.
Tenet é mais Nolanesco do que nunca
Por falar no Christopher Nolan, se você já é fã do cara, não tem nem o que cogitar: pode ir assistir tranquilo. O filme tem tudo o que ele mais gosta. Ou seja: faz uso abusivo do IMAX, tem uma trilha sonora e edição de som que ditam o tom da narrativa, cenas de ação espertas, pouca computação gráfica, Michael Caine, e um twist que altera o fluxo do tempo.
O diretor tem uma vasta experiência em brincar com o correr do tempo em seus filmes: tem o planeta em que tudo passa mais rápido em Interstellar, as três histórias contadas simultaneamente em ritmos diferentes de Dunkirk, a brincadeira com a física e o tempo em diferentes velocidades dos sonhos de Inception, e claro, a história contada de trás pra frente de Memento.
Mesmo com todo esse currículo, o jogo temporal de Tenet é inédito – e não vai ter spoilers sobre como ele funciona nesta crítica. Só dá pra dizer que ele foi claramente pensado para o cinema e dificilmente funcionaria em outras mídias. Seu grande intuito é promover cenas embasbacantes, incluindo de ação.
Questão de tempo
Assim, o filme todo parece ter sido moldado ao redor do conceito temporal que ele inventa. A história principal chega a ser boba, um clichê qualquer para que o protagonista (chamado apenas de “O Protagonista” mesmo) compreenda o mundo no qual ele está inserido. Personagem nenhum tem um grande dilema, uma backstory empolgante ou qualquer característica empática.
Em outro aspecto que já está se tornando constante nos últimos filmes de Nolan, todo mundo é muito raso, o que resulta em ausência de relacionamentos marcantes e nos diálogos extremamente canastrões (quando não estão explicando planos ou a física do mundo em que vivem).
Em uma cena, quando um personagem sugere a morte de toda a população do planeta a personagem responde com “e também do meu filho”, numa demonstração de que o cara realmente não sabe criar drama.
Ação e física
Com pouco drama para trabalhar, os atores se destacam mesmo pelas cenas de ação e por todo o esforço que despenderam para poder interpretar em um mundo de regras temporais tão malucas. Não devem ter sido poucas as vezes em que os atores tiveram que atuar ao contrário para uma cena que seria invertida na edição final.
Diversos atores até tiveram que aprender a falar ao contrário, e agora podem colocar esse feito no currículo, na seção de habilidades completamente inúteis (pessoalmente, minhas habilidades inúteis incluem rolar para cima e dormir instantaneamente em qualquer lugar).
Cinematologia na prática
O resultado é que, em uma época onde a ação de todos os filmes parece tão similar e igualmente competente (em sua maioria), Nolan consegue criar algo totalmente diferente e inovador. As cenas não apenas são visualmente fantásticas mas também incrivelmente divertidas e eu me peguei com um enorme sorriso debaixo da máscara vendo o que em qualquer outro filme de espionagem seria uma coreografia de luta padrão. Nada é padrão em Tenet e você vai se pegar mais de uma vez questionando “como diabos eles fizeram isso?”.
A resposta geralmente é “com muitos efeitos práticos”. Averso a grandes feitos de computação gráfica, conhecemos o diretor por executar na vida real as façanhas demonstradas no filme. Ele já quebrou um avião no meio para uma cena de Dark Knight Rises e fez algo tão grandioso quanto para uma cena importante de Tenet. O resultado fatalmente renderá um Oscar de efeitos visuais para o filme, afinal, com quem ele vai concorrer este ano? Com o Sonic?
Tempos difíceis
Eu não sou um grande amante de absolutamente todas as obras do Christopher Nolan. Achei Interstellar chato e raso; e não gosto muito do praticamente unânime Dunkirk; além de achar “The Dark Knight Rises” um dos piores filmes de herói de todos os tempos. Mas amo Inception e Memento e certamente estarei na estreia de tudo o que o diretor lançar: é inegável que mesmo os filmes que eu não gosto são imensamente criativos e por conta disso, têm uma grandiosa influência no gênero de ação das obras que vêm depois deles.
Tenet não foge à regra.
Por conta da pandemia, o filme estreou em momentos diferentes ao redor do mundo e as críticas a ele variaram bastante. Ele estava destinado a ser o grande blockbuster do verão americano, mas este é um ano estranho – e por que não dizer, triste – para a indústria de entretenimento. Nolan também foi na contramão de grande parte dos estúdios. Ele recusou diversas vezes o lançamento direto em streaming e insistiu que o filme deveria ser visto em um cinema, com uma tela grande, um som de qualidade e alto risco de contágio. O diretor chegou a dar declarações polêmicas incitando o estúdio a lançar o filme na data certa e meio que incentivando o pessoal a furar a quarentena para ir nos cinemas. Certamente pegou mal.
Introdução
Por conta dessa insistência no lançamento, o filme acabou com a ingrata missão de resgatar a normalidade. Estava nele (e ainda está, aqui no Brasil) a esperança de trazer o público de volta às salas de cinema. Nos Estados Unidos, ele fez meros US$20 milhões no final de semana de estreia (a título de comparação, Bad Boys 3 fez US$60 milhões e segue como a maior estreia do ano ainda). Tenet é sim uma baita produção, mas a importância que lhe foi atribuída é grande demais.
No Brasil o filme também teve sua dose de lançamentos adiados: o último moveu a data de estreia de 15 para 29 de outubro. Afinal, se a cidade de São Paulo não liberasse cinemas, não seria viável lançar em todas as outras cidades deixando a metrópole de fora.
Depois de assistir ao filme em uma tela IMAX, é compreensível a insistência de Nolan. Você deve sim assistir Tenet no melhor cinema possível. É uma pena que este micróbio maldito vai afetar enormemente os resultados e a experiência.
Não sou eu, porém, que vou tentar convencer ninguém a furar quarentena (é, tem gente ainda de quarentena; eu chamo essas pessoas de “corretas” e amo todas elas) para ir em atividade não-essencial. Se eu criar coragem e conseguir passar mais uma semana sem ver meus pais, quem sabe eu até não vou no cinema de novo. O filme é bem “reassistível” e eu mal posso esperar pelas dezenas de vídeos no Youtube que surgirão dissecando diversos pontos do longa.
Sem contar que foi bom, por duas horas, esquecer de 2020 e só pensar que aquele ator ali provavelmente está correndo de costas nessa cena.
Qq eu vou falar pra alguém que acha Interestellar fraco né velho kkkkk só recomendar leitura na área de física mesmo.
alguma recomendação de livro pra uma introdução na área?