King’s Man: A Origem
Lá em 2014, o primeiro filme do Kingsman surpreendeu todo mundo pela sua qualidade e pela habilidade em mostrar o Colin Firth matando cristãos em uma igreja. Depois de uma sequência que não conseguiu repetir o sucesso, mas que tem uma ou outra cena bem divertida, a franquia volta com King’s Man: A Origem, recuando a história em mais de 100 anos para mostrar como se deu a formação da agência.
E para isso, eles fazem uso de figuras bem caricatas da história da humanidade.
Gavrilo Princip
Em 28 de junho de 1914, Gavrilo Princip estava lá de boa, sentado em algum café de Sarajevo, tomando um café e comendo um pão com mortadela. Foi quando ele viu a comitiva do arquiduque austro-húngaro Franz Ferdinand cruzando a Ponte Latina. É possível imaginar seu queixo caindo no meio da mastigada.
Isso porque Gavrilo Princip era uma das pessoas que tentou matar Franz Ferdinand uns dias antes. Ele e o grupo dos Mãos Negras queriam tanto matar o arquiduque que combinaram de todo mundo fazer um atentado ao mesmo tempo. Um ia dar um tiro, outro ia tacar uma granada, outro ia tentar uma facada (tem que dar uma giradinha na faca, não se esqueçam). Porém, o piá que ia dar o tiro estava do lado de um policial no momento, e amarelou. Aí o cara que ia jogar a granada se atrasou e a explosão atingiu o carro de trás. Quando deu a merda toda, ele mastigou uma cápsula de cianureto e, para garantir que ia morrer mesmo, pulou no rio Miljacka. Mas o rio estava seco, só com 12 centímetros de profundidade, e ele bateu no fundo do leito e vomitou o veneno, sobrevivendo.
Aí foi barata voando e todo mundo saiu correndo, amargurando o fracasso da missão. Por isso a surpresa de Gavrilo Princip ao ver a oportunidade de concretizar seu plano. Ele se levantou e deu dois tiros em direção ao carro, matando o arquiduque e sua esposa.
Essa história toda está aqui porque ela também está no filme, mas não exatamente dessa forma. O problema é que a parte mais caricata e bizarra dela foi retirada, deixando-a mais – digamos – crível. O que soa absurdo para uma franquia de filmes que se deixa levar pela bizarrice.
Rasputin
O “monge” Grigori Rasputin também aparece no filme. Com fama de ser curandeiro, foi procurado pelo czar Nicholas II para curar seu filho, que tinha hemofilia. Sabe-se lá o que ele fez que a saúde do moleque melhorou e ele virou conselheiro do czar e um cara poderoso na corte russa.
Com tanto poder e influência, logo começaram a armar uma arapuca para matar Rasputin. Conseguiram: primeiro lhe serviram uma torta envenenada. Ele não morreu. Aí deram um tiro. Ele não morreu, mas saiu correndo. Aí deram outro tiro. Ele não morreu. Aí amarram-no, fizeram um buraco no gelo e afundaram ele na água, onde ele morreu (provavelmente).
Lenin
Nessa palhaçada, a Primeira Guerra corria solta. O Império Germânico e Austro-Húngaro estava pressionado pelo Império Britânico de um lado e pelos Soviéticos do outro. Aí, para apaziguar essa pressão toda, os germânicos meteram Lenin num trem blindado e fizeram-no atravessar metade da Europa para que ele chegasse em Moscou e aprontasse uma baguncinha das boas que tirasse os soviéticos da guerra. Essa baguncinha ficou conhecida como “Revolução Russa” e culminou no assassinato do czar, de sua esposa e de seus cinco filhos Tatiana, Anastásia, Alexei, Maria e Olga.
Então quando vierem te dizer que o comunismo mata criancinhas… bom, nesse ponto da história ele matou mesmo.
Mata Hari e Erik Hanussen
No lado alemão, tem a Mata Hari, uma das maiores espiãs de todos os tempos, conhecida por sua capacidade de sedução que usava para obter informações das altas elites francesas. Dizem que Mata Hari não era só uma espiã, mas era uma espiã dupla e teria sido executada pelos alemães que descobriram que estavam sendo enganados por ela.
Quem também passou a perna nos germânicos era Erik Hanussen, um mentalista que alegava ter poderes paranormais. Um charlatão mesmo. Só que ele era judeu e usou seus truques baratos para enganar até Hitler.
Kaiser Willem, Rei George e Czar Nicholas II
Como se tudo já não fosse uma salada tremenda, os monarcas supremos da Inglaterra, Alemanha e Rússia (ou melhor dizendo: de seus respectivos impérios da época) eram primos. Para ressaltar as semelhanças, é o mesmo ator que faz os três no filme. O que é algo bom porque quem ficou revoltado de não ver três Tom Holland em Homem-Aranha pode ir ver King’s Man que vai ter três Tom Hollander, pelo menos.
Mas King’s Man: A Origem é bom?
Verdade, tem que falar do filme, quase ia esquecendo de novo.
Esse monte de figuras históricas são personagens do filme. É muita gente sim e ninguém é realmente aprofundado. Alguns como Erik e Mata Hari são quase completamente descartáveis, mal aparecem. Já outros não parecem ter suas histórias completamente explicadas, o que requer um pouco de astúcia do espectador para preencher as lacunas e saber quem é quem e o que aconteceu com cada um. Até mesmo alguns fatos históricos são usados de pano de fundo para acontecimentos (como o naufrágio do HMS Hampshire) ou levemente citados e a audiência que deduza sua importância (como o naufrágio do Lusitânia, que fez os EUA entrarem na Primeira Guerra).
Kingsman também é conhecido por ser cartunesco e absurdo, então a escolha desses personagens e da época de localização do filme parece ter sido apropriada. Uma pena que, sem muito tempo para trabalhar neles, parece que o filme teve que deixar a parte mais bizarra de cada um de fora, o que é um puta desperdício.
Este é um raríssimo caso de um filme que seria melhor como uma série. Ele tem até um formato episódico, com uma figura notável entrando no roteiro por vez. Infelizmente, há pouco tempo para desenvolver cada um e quem não conhece o contexto histórico deve se perder levemente nessa saladona que o filme traz.
Como parte da franquia, a ação é a mais fraca dos três filmes. Quando acontece, é deliciosa de assistir, mas é necessário esperar longos trechos de reviravoltas históricas para chegar nas cenas mais divertidas.
Parece que sobrou ambição e faltou tempo de tela. Eu me diverti à beça com as representações históricas e com os elos malucos que o filme conseguiu interligar entre eles, mas eu queria ver mais desse Rasputin, desse Gavrilo, desse Erik… Um episódio para cada um, pelo menos.
O Matthew Vaughn devia ter vendido essa ideia para a Netflix, parece que eles compram qualquer coisa.