Godless, mais uma obra-prima da Netflix

Com personagens cativantes que vão muito além do estereótipo do gênero, a produção usa cada um dos 7 episódios para trabalhar backgrounds, personalidades e objetivos de suas figuras — muitas vezes improváveis — que carregam a minissérie nas costas com competência acima da média, em um trabalho singular, emocionante e angustiante. A começar pelo empoderamento feminino não panfletário, aqui executado com excelência, ao entregar parte do protagonismo para mulheres, que tem de se virar no contexto apresentado, deixando para apenas três homens o restante do louvor no todo.

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Scott Frank, revelado aqui um exímio contador de histórias, tanto no texto quanto na direção cheia de personalidade e paixão, é na verdade um roteirista de longa data, iniciado no clássico Anos Incríveis, com passagens ainda com O Nome do Jogo, Minority Report, A Intérprete, Wolverine Imortal e Logan. Se consolidando no topo de sua carreira, Frank não só utiliza todos os recursos estilísticos e visuais dos filmes de faroeste, como também acerta o tom ao não recorrer aos clichês do mesmo, revitalizando o gênero com apostas impensadas, em uma narrativa formidável, que vai te prender a telinha do primeiro ao último minuto, sem evitar de o emocionar.

La Belle, Novo México. Uma explosão na mina local matou praticamente todos os homens, deixando para trás somente as mulheres, crianças e idosos, o que deixa a pitoresca cidadezinha no meio do nada a mercê de pessoas mal intencionadas, incluindo aí uma mineradora que pretende comprar a região. Isso faz com que algumas das mulheres, a maior parte delas já forte antes da tragédia, assuma a liderança da cidade e das negociações que se iniciam. Assim, conhecemos a melhor personagem da história, Mary Agnes, numa interpretação impressionante de Merritt Weaver. Mas outras mulheres não ficam atrás, como a dona do rancho Alice Fletcher, ou Callie Dunn, a prostituta rica que virou professora. Nisso tudo, confesso que gostaria de ter visto mais sobre Martha (que tem um desempenho sensacional no clímax com suas duas pistolas), porém ela e sua backstory só são apresentadas no desfecho, deixando um gostinho de quero mais.

Mas Godless é uma obra de muitas camadas e outras histórias a serem contadas, por isso em paralelo, acompanhamos o embate entre dois homens: o criminoso Frank Griffin (Jeff Daniels, no papel de sua vida, com um vilão complexo e cheios de ícones míticos relevantes, que poderão deixar sua marca no imaginário popular a longo prazo) e o antigo companheiro que abandonou o bando, fazendo as vezes do herói misterioso, Roy Goode (na revelação de talento de Jack O’Connell). Acompanhado de mais de 30 bandoleiros temíveis, um magoado e agora sem braço Griffin, promete destruir a cidade que estiver abrigando Roy, chacinando ainda toda a sua população. Algo que realmente ocorre na abertura da trama, com outro lugar chamado Creede, numa das cenas mais espetaculares e horríveis que uma minissérie já foi capaz de apresentar.

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Acontece que acidentalmente, Roy encontra abrigo e refúgio justamente na aparentemente indefesa La Belle, lar de mulheres fortes que não abaixam a cabeça, que aprenderam a sobreviver sem seus homens. E dos poucos que sobraram, ainda temos um assistente de xerife que é o coração do enredo; o próprio xerife, ele próprio sofrendo de um mal dos olhos, a medida que perde a moral e a sombra e precisa se reencontrar para entregar um desfecho digno; a população honrosa da comunidade negra de Blackdom, que tem entre seus membros valiosos pistoleiros e grandes violinistas; um grupo de mercenários mal caráter, além de um jornalista que aumenta as verdades e complica a situação. Sendo assim, Godless justifica todos seus recursos, e cada passagem, cada personagem, cada situação, tudo tem um propósito e é fundamento na história, sem deixar sobras nem gratuidade no roteiro, redondo e exemplar, ao mesmo tempo assustador e emocionante.

Embalado com uma abertura viciante que diz muito sobre a trama, em uma trilha ao mesmo tempo clássica e autêntica, Scott Frank entrega uma obra autoral visualmente acachapante, com tomadas formidáveis e incrivelmente belas, sabendo equilibrar sua narrativa não linear com passagens no presente terroso e amarelado com flashbacks pálidos e memórias em sépia, fornecendo um clímax desde já brutal, cru e icônico, em uma história que se encerra em si e faz cada minuto valer a pena. O maior faroeste do seu tempo. Recomendo fortemente.

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