A Despedida – O luto antes do luto
A Despedida é ligeiramente inspirado em fatos reais da vida da diretora Lulu Wang. Billi Wang (Awkwafina) é uma jovem aspirante a escritora que vive em Nova York. Embora ela e seus pais (Tzi Ma e Diana Lin) morem nos Estados Unidos há muitos anos, Billi mantém uma relação próxima com sua avó Nai Nai (Zhao Shuzhen), que vive na China.
Um dia, Billi descobre que a avó está com câncer no pulmão, em estado terminal e que só tem algumas semanas de vida. Entretanto, a família não pretende contar para Nai Nai sobre a doença. Os pais vão viajar para China para visitá-la e, junto com o resto da família, montar o casamento de Hao Hao (Han Chen), primo de Billi, como uma desculpa para reunir a família uma última vez, sem que ninguém saiba da doença de Nai Nai.
Com medo de que Billi conte para a avó sobre a doença, os pais pedem que ela fique em Nova York. Certamente Billi resolve viajar mesmo assim, dividida entre aproveitar o tempo que ainda tem com sua avó e contar a verdade para ela.
A Despedida e a relação com a avó
Um dos pontos altos do filme é a relação de Billi com a avó. Billi nasceu na China, mas migrou com seus pais quando era muito nova. Durante as conversas que tem com a avó, ela diz que mal se lembra do tempo que viveu na China, mas fica claro para o telespectador que Billi tem uma relação muito próxima com a senhorinha.
As duas parecem se falar diariamente e se dão muito bem. Não é mencionado, mas a relação das duas tem aquela vibração que dá a entender que Billi é a neta favorita de Nai Nai. Talvez essa relação fique muito clara porque o roteiro é ligeiramente inspirado na vida real da diretora, que provavelmente se sente como Billi em relação a sua própria avó.
Neta + Avó = S2
O fato de transmitir toda a importância que existe na relação da protagonista com a avó, deixa o filme todo ainda mais dolorido. Afinal, acompanhamos em primeira mão o momento em que Billi descobre que sua avó está doente e que não há nada que possa ser feito. Os sentimentos de Billi ficam completamente misturados, já que ela percebe, talvez pela primeira vez, que sua avó não é infinita e que logo ela não vai estar mais presente, ao mesmo tempo em que percebe que não pode fazer nada para evitar.
Boa parte das pessoas podem se conectar com a sensação de perder uma avó muito importante e que tem quase o papel de mãe. Diferentemente de Billi, que é confrontada com a mortalidade da avó, a maioria das pessoas não sabe com exatidão quando os seus entes queridos vão morrer. No entanto, é lógico pensar que avós e avôs serão as primeiras pessoas nas nossas vidas a morrerem. Por isso, A Despedida é um filme que fala com todo mundo.
Dúvidas
A família de Nai Nai decide que não vai contar que ela está doente porque acredita que o que mata não é o câncer, mas o medo. Esse é um costume comum na China, que conhecemos quando Billi chega ao seu país natal e conversa com o médico da avó.
Billi, embora tenha nascido na China, é uma típica Nova Iorquina e lida com a morte como todos os ocidentais. Para ela, é impensável que Nai Nai não saiba que está doente e que tem poucas semanas de vida. Ela viaja para passar mais tempo com a avó, mas assusta a família, que tem certeza que ela vai contar o segredo.
A protagonista se vê completamente dividida entre passar o tempo que resta com a avó e contar para ela a verdade. Os sentimentos de Billi não são muito diferentes dos sentimentos de qualquer pessoa que encara a morte de uma pessoa próxima, ou que percebe que um ente querido está morrendo. O filme também se questiona quanto dessa necessidade de esconder a doença é em favor a Nai Nai e quanto é um favor a própria família, que enquanto não fala sobre o assunto, pode ignorar o que está bem em frente ao nariz de todos.
Luto
A Despedida não é exatamente um filme sobre luto, porque não acompanhamos a morte de Nai Nai, mas sim o que acontece quando a família percebe que a vida dela está prestes a acabar.
A protagonista é uma neta que é muito próxima da avó e que precisa lidar com a possibilidade de perdê-la em breve. Billi então, entra em um luto antes do luto, uma vez que a avó ainda está viva e parece bem, mas que a jovem não consegue tirar da cabeça que logo a avó não estará mais com ela.
Dividida entre contar ou não a verdade para Nai Nai, o telespectador sente que Billi perde o tempo que tem com a avó, ao invés de aproveitá-lo ao máximo. A Despedida explora o luto – ou o pré-luto – de uma maneira diferente, porque apresenta uma trama diversa, mas com a qual ainda é possível se identificar.
Aspectos técnicos de A Despedida
O longa tem ares de filme alternativo, mas é uma produção relativamente grande. O filme tem cenas nos Estados Unidos e na China, mas ele se apoia mesmo no roteiro. O longa traz uma história bem original, embora fale de um tema que aflige todo mundo, uma vez que se sabe que a trama é ligeiramente inspirada em fatos reais, tudo se torna ainda mais interessante.
Mas o ponto alto de A Despedida é que, embora trate de um tema triste e tenha cenas tristes, trabalha muito na chave da comédia. A resolução da família para que todos se despeçam de Nai Nai é, por si só, cômica, porque parece contraditório celebrar um casamento enquanto a matriarca da família está morrendo.
E tudo que decorre disso e que contribui para a manutenção do segredo, como modificar exames, conversar com o médico em inglês para que Nai Nai não compreenda, e tentar pegar diagnósticos antes de Nai Nai soam quase como uma comédia de erros.
O elenco
As atuações também ajudam muito. O elenco inteiro está muito sincronizado e se sai muito bem. Zhao Shuzhen é adorável e saímos do filme sentindo que ela também é nossa avó e constantemente sentindo o luto de Billi, mas quem rouba a cena mesmo é Awkwafina. O telespectador quase consegue sentir a dor de sua personagem, ao mesmo tempo que percebe o quanto ela se debate sobre se deve ou não contar a verdade para a avó, e acaba se colocando no lugar dela. A química entre ela e Shuzhen também é forte e importante e é impossível não perceber a dor daquela família.
A Despedida fala de um assunto que, mais cedo ou mais tarde, encontra todos nós. O fato de tratar o tema de maneira menos pesada – mas nem por isso, menos emocionante – e através de uma história que é inusitada, é só um ponto a mais.