A Escada
Em 2001, o escritor americano Michael Peterson, então com 58 anos, ligou para a central de emergências pedindo ajuda porque sua mulher, Kathleen, havia caído da escada. Ao chegar ao local, a polícia enxergou ali a cena de um crime, do qual ele seria considerado o principal suspeito, o que levou a diversas narrativas, prisões e reviravoltas bizarras.
A história foi contada na série documental “The Staircase” (na Netflix), do premiado diretor francês Jean-Xavier de Lestrade (também retratado aqui), após a qual muitas pessoas passaram a acreditar na inocência de Michael, já que ele estava enviesado por uma narrativa.
Antonio Campos (diretor de O Diabo de Cada Dia e filho do jornalista brasileiro Lucas Mendes) já optou por um viés mais neutro, sem escolher lados, com a vantagem de apresentar a história não só tal qual ela já apareceu no documentário, mas também com pormenores exclusivos dessa versão dramatizada, que conta inclusive com pontos de vista da vítima (no qual a produção contou com o que pessoas próximas viam e ouviam de Kathleen no período pré-morte), além de três possibilidades de como ela morreu (acidente, assassinato e… ataque de coruja), que configuram momentos extremamente mórbidos e até apavorantes.
A Escada
Aliás, morbidez é um ponto forte dos quatro primeiro episódios, que depois, até chegarem ao oitavo, têm situações um pouco arrastadas e outras que não levam exatamente a lugar nenhum (como as subtramas dos familiares, em especial os filhos, onde em alguns casos começam, mas não terminam, ficando pelo caminho).
Michael é vivido brilhantemente por Colin Firth (vencedor do Oscar por O Discurso do Rei), que aqui consegue sustentar a dualidade de seu protagonista, repleto de olhares suspeitos e insuspeitos, cinismo e até momentos sinceros de tristeza, enquanto Kathleen é interpretada por Toni Collette, fazendo muito com pouco, já que seu papel é de alguém que morreu.
Juliette Binoche faz uma participação como a editora do documentário de Lestrade (uma figura insuportável, dado a qualidade da atriz em retratar o enviesamento de sua persona), cujos bastidores também são explorados (outro atributo interessante dessa produção).
Sem se preocupar em oferecer respostas fáceis nem um desfecho exatamente conclusivo, Campos e a roteirista Maggie Cohn entregam um drama de true crime de altíssima qualidade, à maneira como apresentado no também ótimo “American Crime Story: O Povo Contra O. J. Simpson”, mas com a diferença de que no caso da morte de Kathleen, apenas duas pessoas sabem o que verdadeiramente aconteceu naquela fatídica noite. Uma jamais vai falar e a outra morreu.
https://www.youtube.com/watch?v=TftAFQflBy8