Arcane – 1ª temporada
Essa produção da Riot Games é, desde já, um dos maiores lançamentos da década, como não se via desde FullMetal Alchemist, Avatar, Aranhaverso ou Dorohedoro. Vou justificar abaixo e implorar para que você conheça Arcane, essa obra-prima moderna:
– Personagens carismáticos, com dramas críveis e completamente relacionáveis, inclusive coadjuvantes, sem estereótipos. Não temos aqui “heróis” e “vilões” ou o maniqueísta empobrecido de “bem vs mal”. Temos pessoas, em contextos plausíveis, realizando ações dentro de suas realidades. Ao acompanharmos ao longo da temporada os processos de amadurecimento e construção de cada personagem, compreendemos suas ações, por mais que nem sempre concordemos com elas e assim concluímos que: criamos nossos próprios monstros e as consequências são incalculáveis.
– Mesmo com um universo riquíssimo e super bem desenvolvido ao redor (que falo melhor abaixo), a série mira a atenção do público na relação intrincada das irmãs Vi e Powder e tudo o que se desenrola através e além delas. É emocionante, cativante e envolvente. Quem se relacionou com a busca aflitiva dos irmãos Elric em FMA, ou se envolveu com a jornada de Aang e cia., terá um prato cheio aqui.
Mais motivos para assistir Arcane
– Narrativa primorosa, bem planejada e complexa, jamais escolhe caminhos fáceis e se fragmenta por diversos pontos de vista, como já foi habilmente realizado por George R. R. Martin nos livros de As Crônicas de Gelo e Fogo. O resultado é uma fantasia bastante acessível que não se furta de discutir dilemas morais e disputas sociais sem soar panfletário, embutindo essa problemática no coração do enredo. Todos os objetivos e consequências são legítimos e oriundos dessas questões. O time de roteiristas e diretores da Riot recusa soluções previsíveis ou muitas simplificações de maniqueísmo.
– Você não precisa conhecer absolutamente nada do jogo League of Legends, como eu, que jamais tive contato com esse game. Arcane funciona como uma história independente para amantes de fantasia e da ficção-científica (e alguns de seus subgêneros). Para quem conhece, por outro lado, creio eu que Arcane será uma carta de amor para os fãs, que poderão descobrir o passado dos campeões do jogo, além de diversos easter-eggs.
– Fortiche, guarde o nome da produtora responsável por entregar a produção mais visualmente linda e impactante do mundo, que supera tudo o que foi apresentado no espetacular (mas agora aquém) Homem-Aranha no Aranhaverso (e posteriormente no incrível A Família Mitchell). Acima de tudo, Arcane oferece uma experiência sensorial que insere o público em um agradável encontro entre as telas do game original e a arte detalhista da tradição francobelga da animação e dos quadrinhos, mesclando o uso do 3D com texturas e cores de 2D, transformando cada frame num painel. Cada tela um quadro para se pendurar na parede. Ora com inspiração steampunk (em Piltover especialmente), ora com pegada cyberpunk (principalmente nas vielas da Subferia), Arcane consegue mesclar um visual retrô com futurismo de maneira orgânica. E insisto: espetacular. As técnicas de animação e outros recursos da direção de arte, enriquecem ainda mais a experiência.
Tem mais!
– Mitologia singular e riquíssima, subvertendo os clichês do gênero a cada minuto. O sistema de magia atrelado a ciência é um ponto de atenção que deve ser acompanhado. Os portais Rextec. As armas desenvolvidas a partir da magia. Os experimentos que podem curar, salvar vidas ou transformar um homem num monstro. Os avanços tecnológicos que geram as sequências de ação mais espetaculares do audiovisual moderno (não tem MCU ou Warner que supere). Diversidade naturalizada entre os personagens principais e figurantes, além de outras criaturas encorpando o lado fantástico da trama.
– Política nível Game of Thrones? Temos também. As relações de poder e progresso de Piltover, deixando a “escória” da Subferia cada vez mais de lado e as consequências disso, quando figuras de ambos os lados começam a mover as peças, são alguns dos pontos altos da narrativa (além da jornada pessoal de alguns de seus principais personagens). A trama não poupa ninguém e qualquer um em tela pode morrer (e provavelmente vai). Sem mortes gratuitas, feitas somente para chocar, Arcane faz da tragédia parte de sua narrativa inevitável, com os mundos colidindo como colidem por aqui. Existem cenas honestamente chocantes, ainda mais quando se fala de morte de crianças.
– Não existe desperdício ou embromação por aqui. Cada segundo conta. Cada instante em tela tem função narrativa. Nenhum personagem é igual o outro, cada um tem sua própria particularidade. Trejeitos únicos, mínimos detalhes, de como movem uma cadeira ou o canto da boca. Tudo é um desbunde, mas nada é gratuito. E a violência pode ser extrema, quando chega. E ela sempre vem, quando você menos espera.
– A trilha sonora é enervante. Com Imagine Dragons no tema principal (que embala aquela belíssima abertura), as composições alternam entre o hip-hop e o eletrônico, até um dark country, sem perder seu viés épico típico da fantasia. E tudo funciona, porque é colocado no momento certo.
O mundo precisava de Arcane. Uma obra que fala muito, com bastante coisa em mãos e com tanto a dizer. Acerta no coração, enche os olhos e muda vidas. Adolescentes podem pirar e ter uma nova animação de estimação, que já nasce clássica, para ser relembrada décadas no futuro. Mas também é uma produção madura o suficiente para impactar principalmente os adultos carentes de histórias tão originais e envolventes. Arcane é um espetáculo, uma obra-prima irretocável, como poucas tramas conseguiram ser ao longo das décadas.
Aplausos, por favor.
E que venha mais.