As Discípulas de Charles Manson – voz às garotas
Depois dos assassinatos do caso Tate-LaBianca, Susan Atkins (Marianne Rendón), Patricia Krenwinkel (Sosie Bacon) e Leslie Van Houten (Hannah Murray) estão em uma prisão só para mulheres na Califórnia.
Enquanto elas esperam o julgamento, Karlene Faith (Merritt Wever), uma professora, as visita para tentar entender o crime que elas cometeram.
As Discípulas de Charles Manson é inspirado nos livros The Family, de Ed Sanders e The Long Prison Journey of Leslie Van Houten, de Karlene Faith.
As Discípulas de Charles Manson – O caso
O filme fala sobre um dos casos de assassinato mais famosos de todos os tempos, o caso Tate-LaBianca e da família Manson, coordenados por Charles Manson (Matt Smith). A família Manson era um grupo de jovens que vivia em um rancho na Califórnia, como um culto, comandado por Manson. Ele sonhava em ser um grande músico e tentava se aproximar de figuras famosas da época, como Dennis Wilson (James Trevena-Brown), dos Beach Boys.
Todos os jovens que viviam no rancho testemunham que Manson era extremamente convincente. Muitas vezes eles tinham a impressão de que ele estava lendo a mente deles, isso porque Manson falava sobre dúvidas comuns à juventude. Como todos os cultos, Manson envolvia os participantes com elogios, humilhações, promessas, sexo e teorias conspiratórias.
Na madrugada de 8 para 9 de agosto de 1969, Manson, depois de ter sua música recusada por Terry Melcher (Bryan Adrian), mandou que Tex Watson (Chace Crawford), Susan, Linda Kasabian (India Ennenga) e Patricia fossem a casa de Melcher e matassem todos que estivessem lá da maneira mais cruel possível. Acontece que Melcher tinha alugado a casa para Roman Polanski – que não estava na casa naquela noite – e Sharon Tate (Grace Van Dien), que estava na casa com um grupo de amigos.
A família Manson matou cinco pessoas naquela noite, inclusive Tate, que estava grávida de oito meses. Na madrugada seguinte, Tex, Susan, Linda, Patricia, Leslie, Steve Grogan e o próprio Manson entraram na casa de Leno (Dan Olivo) e Rosemary LaBianca (Jackie Joyner) e também assassinaram o casal.
Ponto de vista diferente
Todos conhecem o caso envolvendo a família Manson, principalmente nos Estados Unidos. Os assassinatos foram muito brutais, e os assassinos não mostraram nenhuma clemência, nem mesmo quando Tate implorou que eles, pelo menos, não matassem seu bebê, que nasceria dali a quinze dias.
Além disso, os casos fecharam de maneira macabra a década de 1960, conhecida pelo movimento hippie, que pedia paz, amor e esperança. A família Manson, por si só, descende desse movimento e especula-se que os crimes só foram possíveis porque na época as pessoas eram mais abertas e tinham o costume de não trancar suas casas.
Justamente por isso, existem livros, filmes e séries sobre o assunto, que examinam os crimes e a vida da família de vários pontos de vista. As Discípulas de Charles Manson por sua vez, parece querer dar voz às garotas que acompanhavam Manson, conhecidas popularmente como Manson Girls (as garotas do Manson, em tradução literal).
As garotas
As protagonistas são Susan Atkins, apelidada por Manson de Sadie; Patricia, apelidada de Katie; e Leslie, apelidada de Lulu. Tudo isso é uma novidade quando se trata do assunto, uma vez que, embora essas personagens sempre apareçam em produtos que falam sobre a família Manson, elas geralmente não estão em primeiro plano.
Aqui Manson não tem quase nenhum destaque. Mesmo que ele seja mostrado como a mente por trás de todo o terror, a trama começa mesmo quando Leslie chega ao rancho e começa a fazer parte da família.
Acompanhamos o dia a dia da família, assim como a manipulação que Manson fazia com todos os membros. O tratamento que as mulheres do grupo recebiam é infestado de machismo e abuso. Manson, por exemplo, oferece sexo com as garotas para os homens que visitam o rancho e exige que elas cozinhem e sirvam os homens.
Personagens femininas em destaque
As Discípulas de Charles Manson retrata as garotas como vítimas de Manson, mesmo que deixe claro que elas têm culpa nos assassinatos. Fica claro que elas foram colocadas em uma situação adversa e que sofreram lavagem cerebral. Afinal, mesmo depois de presas, elas ainda seguem a palavra de Manson à risca.
É interessante ter esse ponto de vista, uma vez que no imaginário popular e na maioria dos filmes sobre o assunto, elas são retratadas como criaturas misteriosas, perigosas e extremamente sexuais. Este filme mostra todas esses aspectos das personagens, mas também mostra suas dúvidas, medos, traumas e arrependimentos.
Para além disso, o filme tem outras mulheres que têm bastante destaque, como a professora Karlene, que está disposta a ensinar as garotas e fazê-las mudarem de ideia, ao mesmo tempo que vai mostrando suas próprias fraquezas e questões, e a própria Sharon Tate.
Diferentemente de filmes como Era Uma Vez em… Hollywood, que retratam Tate como uma loira escultural, mas ligeiramente estúpida, aqui vemos Sharon no momento de seu assassinato e em uma entrevista antiga, onde ela fala justamente sobre o fato de sempre ser escolhida para o papel de “loira burra”, e de como ela é diferente disso na vida real. As mulheres então soam realistas e reais.
A vida com Manson
Outro grande destaque do filme é a relação dessas três mulheres com Manson e a forma com que elas levavam a vida no rancho. Assistimos ao filme do ponto de vista de Leslie e, assim que ela chega no local, Manson soa como o profeta que ela vinha procurando. Ele compreende o que ela vem sentindo e sabe o que ela está pensando. Assim, Leslie se sente completamente em casa no rancho e acaba ficando.
No entanto, embora Manson pareça perfeito aos olhos de Leslie, o telespectador consegue ver pequenas questões que são obviamente problemáticas, como a maneira com que ele trata as pessoas que fazem parte da família, como ele sugere que as garotas mantenham relações sexuais com ele – embora jamais as obrigue – e que elas pensem em seus pais durante o ato e como ele obriga as garotas a usarem da sua sexualidade para angariar outros membros ou distrair pessoas, quando necessário.
Claro que diferentemente de Leslie, que está completamente inserida naquele contexto e encantada com Manson, nós sabemos como tudo aquilo vai terminar e, por isso, temos uma vantagem em relação aos personagens. Mas o que desperta a atenção mais ainda é a reação de Manson à rejeição de sua música.
Quando Melcher vai ao rancho escutar Manson cantar, fica claro que embora seus seguidores estejam absolutamente seduzidos por Manson, Melcher não está sequer animado. Quando o produtor deixa claro que não tem interesse em Manson, ele perde toda a sua compostura e esquece o seu discurso de paz e amor. Fica óbvio que ele não se importa com nada do que falou para os seus seguidores e tudo isso desemboca na crueldade e na violência que terminaram nos assassinatos cometidos pela família.
Aspectos técnicos de As Discípulas de Charles Manson
Como todo o filme que se passa no passado, As Discípulas de Charles Manson tem o cuidado de colocar o telespectador naquele período. Aqui, isso aparece ainda mais, uma vez que estamos inseridos, de maneira segura, na família Manson, junto com Leslie.
A ambientação é muito bem feita, o rancho é reconstituído, assim como a maneira com que as relações se desenvolviam no local. Os figurinos nos remetem diretamente à ideia que nós temos tanto das comunidades hippies, quanto dos membros da família Manson.
O filme tem boas atuações também. Hannah Murray interpreta a personagem que mais aparece e ela se sai bem no papel, transmite essa ideia de inocência, que pode ser facilmente corrompida. Mas quem chama a atenção, mesmo com menos tempo de tela é o Manson de Matt Smith. O ator está bem caracterizado e interpreta um personagem bem diferente do que estamos acostumados a vê-lo interpretar. Ele é tão convincente, quanto dizem que o próprio Manson era.
O grande destaque de As Discípulas de Charles Manson é esse protagonismo feminino, que pela primeira vez dá voz para personagens que são normalmente retratadas dentro de estereótipos. O filme também se preocupa em mostrar essas pessoas como pessoas reais e não como receptáculos do mal. Podemos dizer que Leslie, Patricia e Susan não têm culpa nos assassinatos Tate-LaBianca? De maneira nenhuma. Mas o que o filme parece querer fazer é entender como que elas – e alguns outros – chegaram a esse ponto.
O filme segue uma história que já foi contada diversas vezes, mas ganha quando a conta do único ponto de vista que parecia faltar.