Até os Ossos

Maren Yearly (Taylor Russell) é uma jovem que sente necessidade de canibalizar pessoas, embora ela tente, a todo custo, evitar isso. Quando seu pai (André Holland) a abandona depois do seu aniversário de 18 anos, ela sai em busca de sua mãe, Janelle (Chloë Sevigny), que sumiu quando ela era criança.

No caminho, ela encontra Lee (Timothée Chalamet), outro canibal que também vive às margens da sociedade, e os dois se apaixonam. Enquanto tentam entender qual é o lugar deles no mundo, eles fogem, sem sucesso, de seus traumas do passado. Até os Ossos é inspirado no livro de mesmo nome, de Camille De Angelis.

Filme de formação

Até os Ossos é um filme que passeia por uma série de gêneros e subgêneros, e é justamente isso que o faz tão interessante. O longa acompanha Maren, uma adolescente que vive de maneira quase reclusa com seu pai, Frank. Logo no começo da história, ficamos sabendo que Maren é canibal depois que ela come o dedo de uma colega durante uma festa de pijama, o que obriga ela e o pai a fugirem de mais uma cidade. No entanto, quando Maren completa 18 anos, seu pai some, deixando-a com um pouco de dinheiro e uma fita cassete onde ele conta como o canibalismo de Maren começou e o nome da mãe dela, que a jovem nunca conheceu.

Maren, então, parte atrás da mãe, viajando pelas estradas americanas, onde ela encontra uma série de pessoas, inclusive pessoas como ela, como Sully (Mark Rylance), que diz que consegue farejar outros canibais – que ele chama de “devoradores” – e que a ensina como sobreviver sendo dessa maneira.

O filme tem alguns aspectos que se encaixam dentro das histórias de formação, afinal, acompanhamos uma adolescente que não se entende, não só porque passa por questionamentos comuns a essa faixa etária, mas também porque ela é canibal e não consegue, por mais que tente, evitar a necessidade de carne humana, e que também busca seu lugar no mundo. Mas o longa também, em determinado momento, esbarra no road movie, já que Maren sai em busca de sua mãe e, quando ela encontra Lee, os dois decidem fazer um passeio pelos Estados Unidos.

O romance também ganha bastante destaque, uma vez que Maren e Lee se apaixonam durante essa jornada e começam um romance, surpreendentemente, saudável levando em conta o contexto em que eles estão inseridos, e claro, o terror é outro gênero marcante, porque que estamos acompanhando a história de amor de dois canibais.

Romance e terror

Até os Ossos consegue ligar, de maneira bem interessante, duas tramas que parecem completamente opostas: o canibalismo de sua protagonista e de seu par romântico e o romance entre eles.

Quando o filme começa, Maren tem certeza de que é a única pessoa no mundo que se alimenta de carne humana, são suas andanças pelo mundo que a fazem perceber que existem vários devoradores por aí. É assim que ela conhece o próprio Lee, que também consegue farejar que Maren é uma devoradora e é porque os dois sentem essa ânsia por carne humana que eles se unem e se apaixonam. O filme é, em muitos aspectos, o retrato do primeiro amor de Maren, ainda que seja bizarro e macabro, é muito intenso e cheio de descobertas, como os primeiros amores geralmente são.

Ao mesmo tempo que acompanhamos a doçura dessa primeira relação, onde os dois se apaixonam aos poucos, também acompanhamos o terror do que eles fazem. As cenas de canibalismo são, muitas vezes, explícitas e Até os Ossos dá um verdadeiro banho de sangue, intercalado com o namoro, até fofinho, de Maren e Lee.

O romance, e talvez a autodescoberta de Maren, ganham mais destaque que o terror por si só, já que embora a trama tenha alguns momentos de tensão, ela não é exatamente assustadora, trabalha muito mais com a aflição que é assistir os personagens canibalizando outros humanos.

Aspectos técnicos de Até os Ossos

A combinação de romance e terror soa um pouco estranha, mas funciona muito bem no longa, é como se um elemento compensasse o outro. A relação de Maren e Lee, que é delicada, traz uma qualidade humana para esses personagens, que são essencialmente canibais e que normalmente seriam retratados como vilões ou monstros. Como acompanhamos Maren desde o começo, e notamos que ela mesma não se entende e nem aceita o que realmente é, é difícil enxergá-la como uma canibal, ela é uma adolescente e a plateia consegue perdoá-la pelo que ela é praticamente obrigada a fazer.

Talvez o grande mérito do filme seja exatamente esse: retratar seus personagens como humanos e não como monstros, mesmo que eles tenham comportamentos que são, obviamente, monstruosos.

O filme se passa nos anos 1980, mas isso aparece em cena de maneira bem sutil, a percepção fica mais a cargo da tecnologia, que é antiga, já que os figurinos não são muito gritantes e podem passar como apenas roupas vintages que os personagens usam nos dias de hoje. Isso dá um tom meio atemporal ao filme e quando pensamos na sua espinha dorsal, que é a autodescoberta e o primeiro amor de sua protagonista, a trama de fato é atemporal.

Até os Ossos conta também com atuações muito competentes e potentes, todo o elenco está muito bem, mas claro que alguns destaques precisam ser mencionados, como Mark Rylance, que interpreta um homem misterioso e aparentemente gentil, mas que não é fácil de decifrar, Timothée Chalamet, que dá um ar muito charmoso ao seu personagem – o que mais uma vez, impede a plateia de vê-lo simplesmente como um canibal – e a protagonista Taylor Russell, ótima no papel de Maren.

Embora tenha momentos muito delicados e bem bonitos, ele é um filme aflitivo que pode incomodar quem é mais sensível. As cenas pesadas não são abundantes, mas são contundentes, a câmera acompanha os personagens canibalizando pessoas em cenas sanguinolentas, praticamente explícitas, que dão o tom de terror ao longa.

Até os Ossos é uma mistura inusitada de gêneros, que consegue trazer humanidade para personagens tradicionalmente horrendos, e que ganha a audiência nesse ineditismo, fazendo com que uma trama cheia de sangue e de corpos mutilados, seja também uma história de amor singela e até apaixonante. O filme tem pré-estreias a partir do dia 24 de novembro e chega aos cinemas no dia 1 de dezembro.