Coisa Mais Linda (1ª temporada) – Netflix
Série nacional com protagonistas femininas
O ano é 1959, Malu (Maria Casadevall) é uma mulher que depende do dinheiro do seu pai (João Bourbonnais) e do seu marido, Pedro (Kiko Bertholini), que vive em São Paulo. Ela e Pedro querem abrir um restaurante no Rio de Janeiro, mas um dia Pedro viaja para a cidade e não volta mais.
Malu vai atrás do marido e, uma vez no Rio, descobre que foi enganada e que ele, na verdade, fugiu com sua amante. Ela entra em contato com a amiga de infância, Lígia (Fernanda Vasconcellos), que agora vive no Rio e através dela e do seu grupo de amigos conhece a Bossa Nova. Então resolve que ela mesma vai tocar para frente o projeto de abrir um negócio, mas que ao invés do restaurante, vai abrir um clube noturno.
Malu também conhece outras mulheres inspiradoras que, como ela, trabalham e lutam diariamente pela igualdade de gêneros, como Adélia (Pathy Dejesus) e Thereza (Mel Lisboa).
Coisa Mais Linda – Malu
A protagonista é Malu que, a princípio, é uma típica mulher dos anos 1950. Ela vive na casa de seus pais, com o marido e o filho (Enrico Cazzola) e desfruta de uma vida de classe alta. Seu sonho é abrir um restaurante no Rio de Janeiro, com seu marido. Mas seu mundo de Malu se desfaz quando Pedro viaja para o Rio de Janeiro, com a desculpa de cuidar dos assuntos do restaurante e simplesmente desaparece.
Malu vai atrás de Pedro e quando chega ao Rio, descobre que não só foi abandonada pelo marido, como também foi roubada por ele. É a partir daí que começa a mudança de Malu. No começo ela se lamenta e pensa que sua vida acabou, mas então ela conhece Adélia, uma mulher negra que vive na favela e que trabalha como empregada doméstica – e atura diversas humilhações – para sustentar sua irmã, Ivone (Larissa Nunes) e sua filha, Conceição (Sarah Vitória).
Malu então percebe que, por mais que ela esteja em uma situação ruim, existem pessoas que estão em situações ainda mais frágeis. Quando ela se reencontra com sua amiga de infância, Lígia, que agora vive no Rio com seu marido Augusto (Gustavo Vaz) e conhece o grupo de amigos do qual os dois fazem parte, ela também conhece a Bossa Nova e resolve tomar as rédeas de sua própria vida e abrir um clube noturno focado nesse tipo de música.
Personagens femininas
O grande diferencial de Coisa Mais Linda é que a série é composta basicamente de personagens femininas. A protagonista da série é Malu, essa mulher de classe alta que se vê obrigada a trabalhar e que aspira sua independência.
Mas para além de Malu, a série também apresenta outras mulheres com personalidade e com histórias de vida diferentes. Assim como Lígia, a melhor amiga de infância de Malu, que depois do casamento com Augusto se mudou para o Rio de Janeiro. Augusto é um homem ambicioso, que sonha com uma carreira política e, por isso, espera que sua mulher sempre mantenha uma pose. Lígia gosta de cantar e sempre sonhou em ser cantora, mas parou de fazer isso a pedido do marido, que acha que sua esposa não deve trabalhar.
Já Adélia é a personagem que mais se distancia de Malu, uma vez que ela é uma mulher negra e pobre que vive na favela. Diferentemente das outras amigas, ela precisa trabalhar para sustentar sua casa, sua filha e sua irmã. Adélia é empregada doméstica no prédio onde Malu vai morar e é assim que as duas se conhecem e viram amigas e, mais tarde, sócias.
E quem mais?
Thereza é casada com Nelson (Alexandre Cioletti), irmão de Augusto, e é a mais moderna entre as quatro: ela trabalha em um jornal, onde tem bastante influência, vive uma relação saudável com um marido que aceita e incentiva o seu trabalho e tem um casamento aberto, onde ela e Nelson se relacionam com outros homens e outras mulheres.
A série ainda joga um pouco de luz sobre Ivone, a irmã de Adélia, que também é uma mulher negra e pobre e que diferentemente da irmã não está tão interessada em trabalhar.
Muitas mulheres
As mulheres de Coisa Mais Linda são muito diferentes entre si e por isso mesmo são realistas. Tudo bem que a série faz várias concessões que não soam completamente verdadeiras, mas que ajudam na história, como o fato de Malu e Thereza não terem nenhum preconceito racial contra Adélia, o que parece meio absurdo para mulheres brancas e ricas, que vivem no final dos anos 1950; ou de o marido de Thereza aceitar não só o trabalho da esposa, como também o casamento aberto.
No entanto, uma vez que a ideia é justamente falar de mulheres que estão, obviamente, à frente de seu tempo e que querem ser independentes e trabalhar, parece quase natural que as personagens principais da série sejam assim. Lígia é a única das mulheres que aceita se submeter às vontades de seu marido e que, ao longo da temporada, aguenta uma série de violências para manter seu casamento. Também é ela que, a princípio, demonstra um pouco de preconceito em relação à Adélia.
Os personagens masculinos da série se dividem basicamente entre os homens que apoiam as mulheres, como Nelson e o noivo de Adélia, Capitão (Ícaro Silva) e os homens que tentam a todo custo, diminuir e minimizar as personagens femininas, como Pedro e Augusto.
Machismo e racismo
A série tem como objetivo falar de assuntos como o machismo e o preconceito racial, então sua trama se revira em volta desses temas. O machismo é o que fica mais claro, uma vez que a série é protagonizada por quatro mulheres que desejam ter independência no final da década de 1950. Justamente por isso, o machismo é ainda mais escancarado.
Malu, por exemplo, deseja ter o seu próprio negócio, mas sofre pressão do pai, que acha que ela deve voltar para São Paulo para cuidar do filho, e do marido, que é, tecnicamente, o dono do negócio que Malu deseja abrir. Já Lígia abriu mão de toda a sua vida e de todos os seus gostos para satisfazer seu marido, que ainda espera que ela se comporte como uma mulher perfeita e a trata como uma propriedade.
Thereza pode ter um casamento ideal, onde o marido aceita suas ambições, mas ela sofre preconceito dentro do seu emprego. Quando o assunto chega em Adélia, a questão é outra. Ela é uma mulher negra e pobre, que nem tem a opção de não querer trabalhar, ela precisa sustentar uma casa. Adélia também é mãe solteira. Embora Capitão, o suposto pai de sua filha, esteja sempre por perto, eles não são casados. Adélia sofre o dobro de preconceito que as outras personagens, afinal, além de mulher, ela é negra e pobre. A série traz à tona assuntos que são importantes e relevantes até hoje, como o preconceito que a mulher sofre no mercado de trabalho, a desigualdade salarial, a violência doméstica e, certamente, o racismo.
Aspectos técnicos de Coisa Mais Linda
A série é extremamente bem produzida. A trama se passa no final dos anos 1950, e a ambientação é muito bem-feita. Fica claro que a ideia é recriar a tal cidade maravilhosa, mesmo que o roteiro demonstre que o Rio de Janeiro também tem seus problemas.
Os figurinos são uma atração à parte, pois todos eles são lindos, mas existem diferenças entre as roupas que as quatro protagonistas usam. Malu, Thereza e Lígia são mulheres ricas e, por isso, se vestem com elegância e muita pompa. O figurino de Malu, no entanto, muda consideravelmente desde que ela passa a viver no Rio e começa a se sustentar. Suas roupas de São Paulo, onde ela vive na dependência de seu pai e de seu marido, são muito mais chiques e remetem muito mais aos anos 1950, enquanto as roupas do Rio, são mais simples e já se aproximam dos anos 1960.
Isso representa não só a mudança de status dela – de uma mulher sustentada por alguém com muito dinheiro para uma mulher que ganha seu próprio dinheiro, mas bem menos – como também a evolução da sua personagem, que se torna uma mulher forte e responsável por um negócio.
Ai essas roupas…
Lígia, que é a personagem mais antiquada das três, usa roupas mais sérias e que demonstram sua personalidade. Quando ela está com Augusto, suas roupas são as de uma dama da sociedade; com as amigas, ela se porta de maneira mais simples. Já Thereza, que é a mulher mais liberal da trama, usa vestidos e saias mais justas, que mostram suas curvas e seu pensamento moderno.
Adélia é quem tem o figurino mais simples, afinal, ela é pobre, não tem dinheiro para comprar vestidos. Suas roupas são velhas, desgastadas e não muito coloridas. O mesmo pode-se dizer de seu noivo, Capitão, que em contrapartida a todos os personagens masculinos da trama, está sempre de terno branco.
Personalidades
Coisa Mais Linda tem personagens carismáticos, por quem o telespectador sente uma afeição quase imediata, o que que faz com que queiramos acompanhar a trama. Malu é retratada como uma mulher mimada, que sempre viveu embaixo das asas do pai, mas essa não é uma característica que aparece muito na sua personalidade ao longo da série. Muito pelo contrário, ela se mostra gentil com todos e muito disposta a trabalhar.
Adélia também é uma personagem por quem a gente torce, afinal, somos apresentados à sua vida difícil logo no começo da série; e como Thereza é a mulher mais moderna da série, ela é a que está mais próxima do telespectador dos dias de hoje.
A série também tem boas atuações, Maria Casadevall interpreta uma Malu de quem o telespectador gosta, o que é essencial para que a gente queira continuar acompanhando a série. As outras personagens também são carismáticas e suas histórias prendem o público. Ícaro Silva está muito bem na série e se sobressai, é muito fácil gostar do seu personagem porque Ícaro o interpreta de maneira charmosa e gentil.
Sendo assim…
É verdade que a série algumas vezes toma caminhos um pouco fáceis, e que não soam muito realistas, mas que têm sentido na trama e a colocam para frente. Coisa Mais Linda é, pelo menos, uma série com temáticas diferenciadas e com personagens femininas, que é produzida aqui no Brasil e isso já é um lucro.
Com personagens interessantes, tramas bem pensadas, uma boa produção e uma mensagem importante e inteligente, Coisa Mais Linda é uma série que agrada ao mesmo tempo que discute questões que são importantes ainda nos dias de hoje.