Dirty John – O Golpe do Amor (2ª Temporada)
A história de Betty Broderick
O casamento de Betty (Amanda Peet) e Dan Broderick (Christian Slater) parece perfeito. Os dois são ricos, vivem bem, viajam, são pais de quatro filhos e ainda parecem apaixonados, até que Betty começa a desconfiar que Dan está tendo um caso com sua secretária, Linda Kolken (Rachel Keller).
Quando a bomba finalmente estoura, Dan pede o divórcio, deixa Betty sem nada e lhe tira o direito de ver os filhos. Os amigos se afastam dela e o ex-marido, que agora pretende se casar com Linda, espalha para todos que Betty está louca.
Betty, no entanto, vai acumulando raivas e frustrações que a levam a tomar uma atitude sem volta. Dirty John (2ª Temporada) também é inspirada em um caso real.
O caso de Dirty John (2ª Temporada)
Nascida em 1947, em uma rígida família católica, Betty disse ter sido criada desde pequena para ser uma dona de casa e uma esposa perfeita, que deveria apoiar seu marido enquanto ele trabalhava. Mesmo assim, Betty chegou a ir para a faculdade e se formar.
Ela conheceu Dan em 1965 e os dois se casaram em 1969. Betty voltou da lua de mel grávida da primeira filha do casal, Kim. Nos anos seguintes, Betty daria à luz a mais quatro filhos – o último filho do casal faleceu algumas horas depois de nascer. Dan só terminou seus estudos em medicina depois do nascimento de Kim mas, ao invés de exercer a profissão, ele resolveu estudar direito e Betty passou a vender cosméticos e artigos para casa, com intenção de sustentá-los enquanto Dan estudava. Ela também cuidava da casa e das crianças.
Dan logo começou a fazer sucesso e a ganhar dinheiro, conseguindo manter sua família e prover algum conforto para Betty e as crianças. Em 1982, os Broderick já eram uma família rica, quando Dan contratou Linda Kolkena, de 21 anos, como sua secretária. Betty rapidamente passou a desconfiar que Dan estava tendo um caso com Linda, o que, no começo, ele negou.
Leia aqui sobre a primeira temporada da série
Algum tempo depois, no entanto, ele assumiu o caso, pediu o divórcio e, em 1989, se casou com Linda. Nesse meio tempo, o comportamento de Betty se tornou agressivo e ela passou a deixar mensagens obscenas na secretária eletrônica de Dan e Linda. Ela ignorou várias medidas de restrição e chegou a jogar o carro contra a casa de Dan.
Sete meses depois do casamento de Dan e Linda, Betty, usando uma chave que ela roubou da filha, entrou na casa do casal enquanto eles dormiam e atirou nos dois. Linda morreu instantaneamente e Dan morreu alguns minutos depois.
Betty e Dan
Dirty John narra sua trama, quase sempre, do ponto de vista de Betty e a série vai e volta no tempo para nos explicar como as coisas chegaram aonde chegaram. Não existe muito mistério em relação ao crime, já que a série supõe que o telespectador conhece o caso e sabe o que aconteceu e quem matou quem, então o grande mistério é entender, ou pelo menos, tentar entender como isso aconteceu.
Enquanto acompanhamos os anos 80, quando Betty e Dan já estão aproveitando a vida de luxo, voltamos ao passado para saber como os dois se conheceram, se apaixonaram, se casaram, formaram uma família e batalharam para chegar aonde estão. A série mostra que enquanto Dan estudava, Betty cuidada da casa, das crianças e trabalhava meio período para sustentar a família, deixando claro que Dan só alcançou o status que tem porque tinha alguém para cuidar, alimentar e prover por ele e por seus filhos.
Embora mostre o ponto de vista de Betty com uma frequência maior, a série também mostra momentos em que Dan está sozinho e é assim que vemos como ele está enganando Betty, já que quando ela começa a desconfiar do caso de seu marido e ele desmente tudo, o telespectador vê os flertes entre Dan e Linda. A série, no entanto, não deixa o caso dos dois completamente claro por um bom tempo, como se quisesse deixar a plateia tão no escuro quanto Betty, que desconfia de tudo, mas não tem certeza de nada.
A produção vai recriando a história do casal, ao mesmo tempo que coloca acontecimentos recentes para formar a trama de Betty e Dan e mostrar como os dois terminaram da forma que terminaram.
Gaslighting
O caso de Betty ficou muito famoso não só por seu desfecho trágico, mas também pelo que aconteceu antes que Betty tomasse a decisão final de assassinar seu ex-marido e sua nova esposa. Betty nasceu em uma família muito religiosa, que a criou para ser a dona de casa perfeita e era nisso que ela acreditava. Quando se casou com Dan, ela estava disposta a lhe dar filhos e cuidar da casa. Quando ele resolve estudar, ela sustenta a família enquanto ele cresce na vida, acreditando que a vitória de Dan é também a sua própria vitória.
A crença de Betty faz parte do conto de fadas que se contava – e muitas vezes ainda se conta – às mulheres da época, que ela deve cuidar do marido, das crianças e da casa, enquanto o marido provê pela família. A recompensa seria um marido feliz, crianças bem-educadas e uma vida feliz. Betty abre mão de ter a sua própria carreira acreditando no sucesso de Dan e, automaticamente, no sucesso da família.
Ela esteve com Dan nos seus piores momentos e quando acha que vai finalmente aproveitar os bons momentos, é trocada por uma versão mais nova de si mesma – Tiera Skovbye, que interpreta Betty mais jovem é muito parecida com Rachel Keller, que interpreta Linda.
Séries documentais sobre crimes reais
A série também exemplifica com clareza o gaslighting, que é uma forma de abuso onde o abusador distorce, omite e até inventa informações para fazer com que a vítima pareça e acredite que está louca. Essa prática não era muito comentada na época em que o caso de Betty aconteceu, mas hoje é muito falada, especialmente em casos de relacionamentos abusivos. Aqui, Dan sempre dá um jeito de fazer parecer que Betty está ficando louca, tanto para ela mesma, quanto para os amigos do casal e, mais tarde, para as pessoas que vão julgá-la.
Primeiro ele faz Betty duvidar da sua própria percepção quando ela o questiona sobre o caso com Linda, depois conta para os amigos que a ex-esposa ficou completamente maluca. As reações raivosas de Betty, corroboram a história de Dan. Dirty John (2ª temporada) é uma história sobre crime, mas também sobre a situação da mulher mesmo dentro de um casamento, que é, supostamente, saudável e seguro, e de como mesmo assim é possível ser abusada.
Quem é o culpado?
Diferentemente do que acontece na primeira temporada, onde o telespectador sabe desde o começo que o grande “vilão” da história é John Meehan (Eric Bana), a segunda temporada de O Golpe do Amor pode deixar o telespectador em dúvida e fazer ele mudar de opinião o tempo todo.
Desde o começo sabemos que Betty matou seu ex-marido e a atual esposa dele e, portanto, é culpada de cometer um crime, mas acompanhamos a história do seu ponto de vista e notamos que Betty foi vítima de uma série de injustiças.
Primeiro ela se anulou e esqueceu sua vida pessoal para cuidar de Dan e das crianças, achando que ele estava trabalhando para a família. Depois ela foi levada a acreditar que estava louca e paranoica em relação ao caso de Dan e Linda. Mais tarde, Dan a proibiu de entrar na casa do casal, a deixou sem dinheiro nenhum e sem poder ver os filhos, espalhou para os amigos que ela estava desiquilibrada e era influente o suficiente para atrapalhar questões legais.
O telespectador, que acompanha a trama pelos olhos de Betty, se sente tão ultrajado quanto a protagonista, e embora perceba que ela está errada em vários momentos, começa a entender o que ela está sentindo e porque ela está reagindo daquela maneira. Dirty John (2ª temporada) não tem um vilão e nem um mocinho, uma vez que todos os personagens têm dois lados, o que faz sentido, já que a série retrata pessoas reais.
Aspectos técnicos de Dirty John (2ª temporada)
Esta é uma grande produção que cuida dos detalhes. A série se passa em várias décadas diferentes, já que cobre o começo do relacionamento de Betty e Dan, em 1965, o divórcio, nos anos 80 e boa parte do que acontece entre esses dois momentos. A série demarca essa passagem de tempo com figurinos e penteados que refletem essas décadas com muito realismo, mas também com a mudança de elenco.
Nos anos 80, Betty é retratada como uma típica perua, com terninhos extremamente coloridos e cabelos exagerados, quase um oposto a Dan, que está sempre usando ternos escuros e discretos, mas os dois, de alguma maneira, têm a aparência do casal ideal, ideia que é sustentada pelo seu estilo de vida.
A atração também é bem esperta em escalar Tiera Skovbye como uma Betty mais jovem e Rachel Keller como Linda, já que as duas são bem parecidas fisicamente e a sensação que a plateia tem é que Dan literalmente trocou Betty por uma versão mais nova dela, assim que a esposa ficou “velha”, mesmo que Amanda Peet não seja uma mulher velha.
O elenco
Aqui também temos ótimas atuações: Christian Slater interpreta um personagem que é charmoso e simpático, até o momento em que ele começa seu caso com Linda. A partir daí ele se torna manipulador e frio, para mais tarde, mostrar sua personalidade cruel. Como a audiência acompanha a série do ponto de vista de Betty, faz sentido que a plateia se sinta como ela, primeiro atraída por Dan, depois suspeita e, por fim, com raiva e são essas as emoções que Slater nos passa.
O grande destaque é de Amanda Peet, que entrega uma boa atuação e que também muda com o tempo. Betty é uma esposa segura, feliz e satisfeita, que desconfiada e depois desacreditada, vai se tornando agressiva e potencialmente perigosa. No entanto, é fácil entender e simpatizar com ela, porque sabemos tudo que aconteceu e mesmo seus atos mais alucinados, soam como uma vingança satisfatória para quem acompanha essa mulher ser humilhada e machucada.
É óbvio que Betty Broderick cometeu um crime e, portanto, estava errada, o que Dirty John apresenta é um ponto de vista diferente, que não julga a protagonista desde o princípio, mas sim, permite que ela conte a sua versão. Quando muda o foco da trama, a série coloca o telespectador quase como cumplice do crime de Betty e nos faz questionar o que faríamos no lugar dela. A segunda temporada de Dirty John – O Golpe do Amor está disponível na Netflix.