E Então Nós Dançamos, aposta sueca para o Oscar 2020
E Então Nós Dançamos é o filme escolhido para representar a Suécia no Oscar de 2020, e é também o primeiro filme com temática LGBTQ a ser filmado na Geórgia, que antes fazia parte da União Soviética. Na trama, Merab (Levan Gelbakhiani) é um bailarino de certo destaque no National Georgian Ensemble. Fora de lá, Merab trabalha em um restaurante para ajudar sua família e precisa lidar com o irmão, que também é dançarino, mas que falta aos treinos com frequência.
Quando Merab descobre que abriu uma vaga para um bailarino homem na companhia oficial do país, ele está disposto a se candidatar à vaga, até que Irakli (Bachi Valishvili), um novo dançarino que é tão talentoso quando Merab, aparece. Então, Merab se sente ameaçado e ao mesmo tempo atraído por Irakli.
E Então Nós Dançamos
O filme se foca em um aspecto muito especifico da Geórgia, a sua dança típica. Merab, o protagonista, vem de uma família de bailarinos e começou a dançar ainda criança. Ele é dedicado e é considerado um dos melhores dançarinos da companhia. O filme apresenta com maestria a dança que ele pratica. Dessa forma, o espectador é brindado com diversas cenas de dança, que são muito bem executadas e bem filmadas.
Claro que para o público brasileiro que tem pouco (ou nenhum) acesso a essa dança, é difícil julgar o talento dos personagens apresentados no filme, mas isso não é exatamente um problema. A Dança Georgiana é uma dança típica e está incluída em uma sociedade extremamente conservadora e, consequentemente, machista e homofóbica. O treinador (Kakha Gogidze) de Merab vive reclamando que ele é “suave demais” e que sua dança tem que ser mais “masculina”. Por outro lado, Irakli, o novo bailarino que chega à companhia e que se torna o principal adversário de Merab, não parece ter problemas com isso.
O primeiro aspecto interessante do longa é justamente colocar o público dentro desse local do qual conhecemos muito pouco. Óbvio que o filme não consegue cobrir todos os aspectos daquela sociedade, o que seria quase impossível, mas ele retrata muito bem os seus costumes.
Descoberta
E Então Nós Dançamos também é um filme sobre descoberta e é nesse aspecto que se torna ainda mais interessante. Merab sabe que gosta de dançar e tudo que almeja é uma carreira no ballet Georgiano. Ele não estuda e tem um subemprego apenas para sustentar a sua família. Merab vive da dança. Até o dia em que Irakli chega à companhia. A princípio, Merab se sente intimidado e desafiado por Irakli, que se mostra ser um dançarino tão bom quanto ele e que não recebe as críticas que ele recebe por parte do treinador.
Mas, ao longo do tempo, Merab percebe que, na verdade, está atraído por Irakli e o curioso é que o rapaz parece nunca sequer ter questionado a sua sexualidade antes. Quer dizer, curioso para os olhos do Brasil, onde a homofobia é grande, mas é, na teoria, penalizada e desprezada, mas não tão estranho para um jovem que vive na Geórgia.
Durante o filme, ouvimos a história de outro bailarino que foi flagrado com outro homem e que teve não só a sua carreira destruída, mas também a sua vida, e é assim que o diretor Levan Akin nos contextualiza dentro daquela sociedade onde ser homossexual não é oficialmente um crime, mas aparentemente, nem precisa ser.
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Portanto é natural que Merab nunca tenha manifestado seus desejos homossexuais ou sequer pensado nisso. Nesse aspecto, o filme funciona mais ou menos como qualquer filme de descoberta sexual que existe, como Me Chame Pelo Seu Nome ou Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. A única diferença é que ao invés de nos apresentar um personagem adolescente, apresenta um personagem que tem pelo menos 21 anos.
Talvez o filme pareça um pouco absurdo para quem não conseguir se encaixar dentro daquele contexto, mas não é só Merab que parece um pouco adulto demais (para os nossos padrões) para as situações que vive dentro da trama. O resto dos personagens, que são tão adultos quanto o protagonista, também estão se descobrindo e fica claro durante o filme que o sexo, inclusive o heterossexual, é um tabu naquele lugar.
Aspectos técnicos de E Então Nós Dançamos
A obra apresenta uma história relativamente comum que já foi explorada antes diversas vezes, mas o filme tem seus diferenciais. O primeiro deles é justamente a locação. Filmado na Geórgia, por incrível que pareça é o primeiro filme de temática LGBTQ a ser filmado no local, tanto que o diretor teve dificuldades para encontrar produtores e a população local fez protestos em frente às filmagens.
Quando se pensa que a legislação antigay na Geórgia foi banida apenas em 2000 é que conseguimos dimensionar a diferença que existe entre a Geórgia e o Brasil (ou qualquer outro país que baniu as leis antigays há pelo menos 30 anos) e que conseguimos compreender totalmente a história de Merab.
E Então Nós Dançamos é um filme extremamente corajoso, que mostra ao que veio e que parece não ter medo do boicote que pode sofrer no seu país natal, especialmente quando mistura o tema LGBTQ com a dança tradicional da Geórgia. O filme não esconde nada. A relação de Merab e Irakli não é platônica e nem velada, inclusive, chega a ser extremamente passional.
O elenco
Naturalmente, as cenas de dança são incríveis e muito bem executadas. O elenco parece composto de bailarinos profissionais. A câmera acompanha os movimentos dos dançarinos a todo momento e em algumas cenas, que não são necessariamente de dança, simula movimentos de dança, como se o câmera também estivesse participando de um espetáculo.
O protagonista Levan Gelbakhiani está ótimo em cena e consegue levar o filme do começo até o final. Merab é um personagem tão interessante, que é impossível não torcer por ele.
Acima de tudo, E Então Nós Dançamos é um filme sobre liberdade, seja na dança, seja para ser você mesmo. A coragem é outro tema que o ronda, seja a do filme em exibir uma trama tão controversa para o seu país de origem, seja de Merab por ser o que ele é, mesmo que todos estejam contra isso.
E Então Nós Dançamos já está em cartaz.