Elegia de um Crime – “Sua morte definiu a minha vida”
Em Elegia de um Crime, Cristiano Burlan investiga o assassinato de sua mãe, Isabel Burlan da Silva, morta em 2011, por seu então, companheiro.
Através de entrevistas com familiares, amigos e das memórias do próprio diretor, ficamos conhecendo não só o crime que tirou a vida de Isabel, mas também a vida dela.
Elegia de um Crime é o terceiro filme da Trilogia do Luto, onde o diretor explora seus sentimentos de pesar em relação às mortes de membros de sua família. Os outros filmes são Construção e Mataram Meu Irmão.
Luto
O primeiro sentimento que vem à tona quando assistimos Elegia de um Crime é, naturalmente o luto. Principalmente porque é dessa maneira que Cristiano começa o filme. O filme é, segundo o diretor, uma maneira de fazer com que ele lide com a perda de sua mãe, indo em busca de sua vida.
Cristiano fala, com todas as letras, que constantemente tem medo de esquecer o rosto da sua mãe. Medo de substituir a imagem dela viva, pela imagem dela morta. Um sentimento comum a todos que já perderam um ente querido. No caso do diretor, esse sentimento é obviamente maior, já que sua mãe morreu cedo e em circunstâncias trágicas.
A primeira parte do filme não se preocupa tanto em nos falar sobre a morte de Isabel, mas sim, sobre sua vida. Ficamos conhecendo sua relação com os filhos, família e amigos através de entrevistas e depoimentos.
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É natural que tudo se torne incrivelmente pessoal, afinal, nós também assistimos o filme pelos olhos de Cristiano, o que torna o crime que já é brutal, ainda mais terrível, mas funciona. O material do documentário é capaz de tocar até as pessoas mais duras.
Feminicídio
A segunda parte do filme, por sua vez, já se foca mais no crime. Visitamos a casa onde o corpo de Isabel foi encontrado e ouvimos o depoimento de Kelly, a irmã de Cristiano que a encontrou morta. Também ouvimos amigos e familiares que garantem que alertaram Isabel sobre o comportamento violento de Jurandir, seu companheiro.
Mais uma vez é impossível não se sentir completamente dentro da história de Isabel, especialmente quando ouvimos seus próprios filhos falando sobre a morte da mãe.
O documentário, no entanto, vai um pouco mais longe. Fala sobre a violência doméstica, a violência contra a mulher e, naturalmente, o feminicídio. Cristiano vai construindo o filme de uma maneira que nos mostra que Isabel, assim como seus filhos, sempre esteve intimamente ligada à violência. Ela já vinha sofrendo ameaças da parte de Jurandir. Infelizmente, ela já estava presa em um ciclo de violência doméstica muito comum.
Enquanto fala sobre a morte da sua mãe, Cristiano automaticamente fala sobre o feminicídio, que atinge o mundo todo. Jurandir, segundo todos, matou Isabel porque sentia ciúmes e era possessivo. Mas a verdade é que como todos os homens que matam suas namoradas, esposas e companheiras, ele achava que tinha mais direito sobre Isabel do que a própria Isabel.
Aspectos técnicos de Elegia de um Crime
Este é um filme simples, mas não por isso, menos bem feito. Não há uma grande produção e nem necessidade disso. A força do filme está nas entrevistas. Especialmente as dos filhos de Isabel, que falam sobre suas relações com a mãe, sobre a morte dela e sobre o que se sucedeu depois do assassinato. É impossível sair imune aos depoimentos.
O filme, em muitos aspectos, lembra o livro de James Ellroy, Meus Lugares Escuros, onde o escritor também investiga o assassinato de sua mãe, que aconteceu quando ele tinha 10 anos. Até a frase que Cristiano usa em determinado momento do filme: “sua morte definiu a minha vida” é a mesma que abre o romance de Ellroy. Isso não é um mérito a menos para Elegia de um Crime. É impossível dizer que uma história tão triste e ao mesmo tempo tão brutal não tem valor.
Existe valor na busca de Cristiano não só pelo assassino de sua mãe, que foi condenado mas está foragido, mas pela paz que ele precisa para superar uma morte tão terrível. E existe valor em um filme que fala tão abertamente sobre questões como violência doméstica e feminicídio.
Elegia de um Crime é um filme difícil, porém necessário. Não só por ser extremamente pessoal para seu diretor, mas por ser relevante para todos nós. O filme entra em cartaz no dia 14 de março, exclusivamente no CineSesc.