Em Guerra – Tá rolando greve na França
Um trecho de telejornal mostrando uma revolta de trabalhadores em frente a uma fábrica. É assim que começa o filme francês Em Guerra, de Stéphane Brizé. A reportagem diz que 1100 empregados franceses de uma indústria entraram em greve. O mais incauto dos espectadores pode achar que se enganou de sessão, o projetista está exibindo o noticiário da noite ao invés do filme. É compreensível: a câmera tremida no meio da confusão, a narração em off tipicamente jornalística, um gerador de caracteres explicando a situação e até o logo da emissora são mostrados, simulando ao máximo possível uma notícia real.
E nem o fato narrado parece surpreendente, afinal, fazer greve é um dos hábitos franceses mais notórios, junto de beber vinho, morrer para arqueiros ingleses, cortar cabeças de reis e queimar carros. A França perdeu a Copa? Eles vão lá e queimam carros. A França ganhou a Copa? Eles vão lá e queimam carros. Deve ser por isso que os carros da Citroën são um lixo: cedo ou tarde alguém vai botar fogo neles mesmo.
O longa acompanha essa greve de funcionários, suas negociações com o alto escalão da firma, as tentativas de falar com os donos alemães da empresa e os conflitos internos entre os grevistas. Raramente um momento mais pessoal é mostrado, a existência desses personagens parece estar limitada a sua paralisação trabalhista.
Em Guerra e o Faz-de-conta
O formato de mockumentary do filme é uma de suas características mais marcantes. Mockumentaries são obras de ficção gravadas como se fossem um documentário, com ângulos mais realistas, tremedeiras de câmera, movimentos bem óbvios, por vezes desfocando a cena, como se o câmera fosse um amador tentando seguir a história do melhor jeito possível.
É um recurso que foi amplamente abraçado pela comédia, tendo a sitcom The Office como o exemplo mais memorável – porém, com outras menções honrosas, como Parks and Recreations, ou o filme This is Spinal Tap, de 1984, considerado um marco dos mockumentaries. Alguns casos, como Borat ou I’m still here (no qual Joaquin Phoenix passou meses fingindo ter largado a carreira de ator para se dedicar ao rap) extrapolam o conceito, fazendo não-atores participarem do filme sem saber que era um mockumentary.
Um pouco disso acontece também em Em Guerra, já que a maior parte do elenco do filme não é de atores profissionais e uma passagem pelo IMDB mostra que, com a exceção do protagonista Vincent Lindon, os demais atores têm essa obra como única entrada no site.
O fato de não serem atores profissionais em momento nenhum compromete a obra – talvez tenha sido uma sábia escolha proposital do diretor para reforçar a ideia de mockumentary, já que a câmera falha constantemente em travar a cena nos personagens. Isso faz do filme um dos melhores documentários falsos, além de ser um dos poucos exemplos no qual a ideia é aplicada em um drama ao invés de uma comédia.
Mas fala que é falso?
Apesar de nunca interagirem com a câmera, fica fácil esquecer que Em Guerra é uma ficção. Eu mesmo teria esquecido, se não fosse o absurdo fato dos franceses não terem se rendido aos alemães depois de 15 minutos de filme.
Isso por conta da naturalidade dos diálogos, muito bem escritos e bem entregues pelos não-atores. Até mesmo as enfadonhas reuniões de conciliação parecem ser propositalmente enfadonhas, mantendo o limite para não tornar o filme chato. Nos pouquíssimos momentos pessoais da vida dos personagens, parece haver uma respeitosa distância da câmera, como se quisesse respeitar a privacidade daquelas pessoas.
Mas o principal acerto no formato é porque a vida particular daquelas pessoas não importa de verdade. Eles são trabalhadores, têm suas famílias, e estão lutando pelos direitos, e é isso que interessa ao filme. A escolha correta do que mostrar, de quanto tempo a câmera deveria permanecer em cada acontecimento e de quais momentos fazer uma passagem de tempo eficiente salvam esse filme de ser imensamente chato. As pequenas vitórias e derrotas vão se enfileirando e no final o público acaba esquecendo que pouca coisa efetivamente aconteceu no decorrer das quase duas horas de filme.
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Não que os fatos tenham todos sido irrelevantes. O desenrolar do ato final do filme é imensamente satisfatório e principalmente a forma com a qual o diretor decidiu mostrá-la é genial, mantendo a ideia lógica de um documentário factível.
Uma frase de Bertolt Brecht é exibida antes do filme: “Aquele que luta pode perder. Aquele que não luta já está derrotado”. Mas a mensagem que fica quando os créditos aparecem vai além disso. E chega a ser surpreendente que um filme com uma história tão simples e uma execução tão barata possa transmiti-la de forma tão eficiente. Portanto, não perca, nos cinemas a partir de 10 de outubro.