Entrevista Com o Vampiro, de Anne Rice
A humanização do vampiro
Louis de Pointe du Lac, um vampiro de duzentos anos, conta a sua história para um jovem jornalista, começando pela morte de seu irmão, em Luisiana, que o levou ao encontro de Lestat de Lioncourt, um vampiro que busca uma companhia para a eternidade e vampiriza Louis, passando por uma vida cheia de culpa, onde ele luta contra a sua própria natureza, e pela chegada de Claudia, uma garotinha de cinco anos que Louis e Lestat criam como filha.
Entrevista Com o Vampiro é o primeiro livro das Crônicas Vampirescas, de Anne Rice.
A história de Louis
Entrevista Com o Vampiro era originalmente um conto que narrava, do ponto de vista do jornalista, a história de Louis, mais ou menos como acontece em uma reportagem. Em 1972, a filha de Anne Rice, Michele, faleceu de leucemia mieloide crônica, levando a autora a uma severa depressão e ao alcoolismo. No ano seguinte, ela passou a trabalhar no conto e assim aumentou a história – Entrevista Com o Vampiro iniciou uma série com treze livros e uma mais recente com mais dois livros -, baseando a personagem Claudia na sua filha Michele.
O livro é escrito na forma de crônica porque, afinal de contas, o que lemos é o que o jornalista escreveu sobre a vida de Louis mesmo antes dele se tornar um vampiro. Em 1791, Louis é proprietário de uma produção de índigo e, lamentando a morte de seu irmão, busca a sua própria morte em todos os lugares. Lestat, um vampiro mais velho e aparentemente sábio, busca uma companhia para passar a eternidade e faz a proposta a Louis. Sem entender todas as consequências do ato, Louis aceita e é vampirizado por Lestat, então os dois se tornam companheiros imortais, mas Louis se arrepende quase que imediatamente.
Diferentemente de Lestat, que parece não se importar com a vida humana, Louis odeia matar e passa a se alimentar de animais. A trama então, segue daí, acompanhando Louis enquanto ele narra sua nova vida como morto vivo de maneira lacônica e até deprimida, uma vez que ele mesmo não consegue aceitar quem ele se tornou e está constantemente lutando contra si mesmo.
Um vampiro humano
Histórias de vampiros existem praticamente desde que o mundo é mundo. A primeira delas é o conto O Vampiro, de John William Polidori, publicado em 1818 – escrito inclusive na mesma ocasião em que Mary Shelley escreveu Frankenstein, outro clássico do terror -, mas a primeira vez que a expressão “vampiro” foi mencionada foi no poema Thalaba the Destroyer, de Robert Southey, publicado em 1801. Depois do vampiro de Polidori, vários vampiros passaram a desfilar pela literatura nas mais diversas formas, gêneros e tramas.
O mais famoso de todos e o que mais contribuiu para a mitologia do vampiro é Drácula, de Bram Stoker. Os vampiros de Anne Rice foram criados bem depois de Drácula, mas bem antes de exemplares mais modernos como os de Crepúsculo – que não só demonstram muitos sentimentos, como também têm uma mitologia própria que difere bastante da mitologia clássica -, mas de uma certa maneira, são diferentes da ideia mais clássica de vampiro, que vê e retrata a criatura como um monstro.
Drácula, por exemplo, raramente demonstra sentimento, ele se alimenta de humanos e todos os tipos de laços que ele forja acontecem para que ele possa se alimentar, mas Louis, especificamente, é um vampiro cheio de sentimentos que está muito mais próximo do humano do que do monstro. Existem diferenças muito claras entre Louis e Lestat, que parece ser uma mistura de anti-herói com vilão. Louis acha moralmente errado matar humanos e se alimenta de ratos e outros pequenos animais, ele também despreza a maneira com que seu companheiro age, já que Lestat demonstra não ter qualquer respeito pelas pessoas que mata.
Louis também se mantém em uma relação de companheirismo com Lestat por anos, mesmo tendo sentimentos contraditórios em relação a ele, fica claro que existe algum tipo de afeição entre os dois, já que por mais que eles briguem e se desprezem, eles continuam vivendo juntos. O ponto alto da humanidade de Louis, no entanto, é a relação com Claudia, uma menininha de cinco anos que é vampirizada por Lestat, mas que passa a ser criada como filha dos dois. Ao mesmo tempo que Claudia é uma assassina feroz que tem qualidades muito próximas das de Lestat, ela também é uma criancinha que Louis cuida como se fosse uma boneca e que claramente o ama.
Como acompanhamos Entrevista com o Vampiro do ponto de vista de Louis e o livro é inclusive escrito em primeira pessoa, fica mais fácil entender o lado dele, mesmo que ele seja uma criatura sobrenatural que se alimenta de humanos.
Subtexto homossexual
Também existe um forte subtexto homossexual na trama que nunca foi completamente admitido, mas a própria Anne Rice disse que diminuiu esse tom quando escreveu o roteiro do filme de 1994, justamente para que Louis e Lestat não fossem percebidos como um casal gay e o longa recebesse críticas por isso.
O vampiro é, por si só, uma criatura que geralmente está associada a uma sexualidade ambígua, afinal, ele morde pescoços, o que é um ato preliminar sexual, mas não costuma fazer distinção de gênero. Em Entrevista Com o Vampiro esse tom é ainda maior: Lestat encontra Louis quando está procurando especificamente um companheiro masculino e depois que ele vampiriza o protagonista, os dois se tornam companheiros eternos e passam a viver juntos.
Mais tarde, quando o relacionamento dos dois, que é sempre complexo e violento, está passando por uma crise, Lestat transforma Claudia em vampira e diz que agora ela é filha dele e de Louis, um momento que lembra muito algumas relações onde as pessoas têm filhos para “manter o casamento”. Lestat, inclusive, vocaliza para Claudia que Louis pretendia ir embora, mas que agora ele vai ficar com os dois. E a vida que os três têm de fato é a vida de uma família, com Louis e Lestat criando e mimando Claudia, com a única diferença de que eles só saem à noite e bebem sangue.
O próprio fato de Louis não aceitar sua condição de vampiro parece fazer uma alusão à dificuldade que pessoas LGBTQIA+ tem em se entender e se assumir em um mundo LGBTfóbico. Na segunda parte do livro, Louis resolve procurar outros vampiros em outras partes do mundo, o que também lembra a busca de pessoas LGBTQIA+ por uma comunidade composta de pessoas parecidas com elas e que as compreendam.
Entrevista Com o Vampiro na mídia
Embora faça parte de uma série de livros, Entrevista Com o Vampiro é certamente o livro mais famoso de Rice e, por isso, ganhou um certo destaque no quesito adaptações.
O livro virou um filme bem fiel à obra original em 1994. O elenco tem Brad Pitt como Louis, Tom Cruise como Lestat e Kirsten Dunst como Claudia, que no filme tem doze anos e não cinco. Christian Slater, que interpreta o jornalista – River Phoenix já estava escalado para o papel, mas morreu em 1993 – e Antonio Banderas, que interpreta o vampiro Armand, completam o elenco. A própria Rice, que estava reticente com a escalação de Cruise, admitiu que ele se saiu muito bem e considera o filme “uma obra de arte”.
O livro também vai virar uma série, onde Jacob Anderson interpretará Louis, Sam Reid interpretará Lestat e Bailey Bass interpretará Claudia.
Entrevista Com o Vampiro não é um livro de leitura rápida, mesmo porque acompanhamos a história do ponto de vista de Louis, que claramente despreza a sua própria existência, mas a trama inovadora e a forma diferente com que o vampiro é apresentado fazem dele um livro único, que ainda é referência para uma série de obras sobre o assunto.