Euphoria – Muito mais do que uma série adolescente
Euphoria acompanha um grupo de adolescentes americanos enquanto suas vidas se cruzam e eles se envolvem em romances, sexo, drogas e festas, ao mesmo tempo que enfrentam dúvidas e dificuldades.
É difícil apontar quem exatamente é o protagonista de Euphoria, uma vez que a série dá espaço para quase todos os seus personagens, mas se alguém se encaixa nesse papel é Rue Bennett (Zendaya).
Rue é uma adolescente viciada em drogas que, depois de uma overdose, está tentando ficar sóbria. Ela também é a narradora da série e assistimos a todos os eventos da primeira temporada do ponto de vista dela.
Mas claro que Rue não se resume a uma adolescente que tem problemas com drogas, ela tem outras características e é isso que faz com que Euphoria seja uma série tão diferente e instigante. Rue perdeu o pai cedo e vive com sua mãe (Nika King) e sua irmã mais nova (Storm Reid), a quem ela sente que está decepcionando constantemente.
Ela também não sabe exatamente o que quer da vida, mas se sente perdida e as drogas são uma forma de se anestesiar para o que a rodeia. Tudo muda quando ela conhece Jules (Hunter Schafer), uma nova aluna da escola, por quem ela se apaixona imediatamente, mas é claro que, assim como Rue, Jules não é só o que ela aparenta.
Personagens que fogem do estereótipo
Euphoria é uma série que retrata adolescentes, e que é voltada para o público jovem, mas é bem diferente de qualquer série desse estilo. Os personagens são muito bem construídos e passam longe de todos os estereótipos que comumente vemos em obras do gênero, embora a produção não se furte de brincar com essas convenções.
Jules, a novata e paixão de Rue, também é uma garota transgênera – embora essa seja a característica menos importante de sua personagem -, que se envolve com homens mais velhos; Nate Jacobs (Jacob Elordi), o garoto popular, é na verdade um adolescente violento, com problemas com seu pai (Eric Dane) e com a própria sexualidade; Cassie Howard (Sydney Sweeney) é uma adolescente que parece tranquila com sua própria sexualidade e que já teve até uma sex tape vazada, mas que é cheia de questionamentos e insegurança; e Kat Hernandez (Barbie Ferreira) é uma adolescente gordinha, que começa a explorar sua sexualidade, independentemente de suas próprias dúvidas e medos.
É interessante também que a série dê uma espécie de direito de fala para todos os personagens e, assim, aumente a sensação de que ninguém ali é vilão ou mocinho, como normalmente acontece em obras com temática adolescente, onde o telespectador acompanha a garota tímida que sofre bullying e vilaniza a garota popular, retratada como sua algoz.
Maddy Perez (Alexa Demie), que é a apresentada como a rainha da escola e que namora Nate, vai pouco a pouco tendo sua personalidade demolida de maneira que possamos ver quem de fato ela é: uma garota assustada, que ama seu namorado, mas que também o teme.
Euphoria se propõe a retratar um grupo de adolescentes, mas não cai em armadilhas e arquétipos fáceis e por isso, passa a impressão de ser uma obra realista, que de fato mostra os seus personagens como pessoas, com várias características e questões.
Temas adultos
Outra questão que diferencia esta de outras séries do gênero e que podem fazer com que o público tenha a sensação de que a atração não é voltada unicamente para adolescentes são os temas abordados.
Claro que a série é repleta de questões que falam diretamente com os adolescentes, como as primeiras experiências, as dúvidas, os questionamentos e a busca por se tornar quem você de fato é, mas a maneira com que lida com vários dos seus temas é bem adulta.
Embora a experiência e a curiosidade em relação às drogas sejam assuntos que, de certa forma, fazem parte dos anos de adolescência, a maneira com que Rue lida com elas é séria e forte, uma vez que ela é completamente dependente e que a primeira temporada passa bastante tempo acompanhando as tentativas dela de se manter sóbria.
Assim como a exploração de Kat sobre sua própria sexualidade, que começa como uma curiosidade natural, e prossegue para ela se expondo na internet de maneira anônima e as tramas que envolvem Cassie, que está apaixonada por McKay (Algee Smith), mas que é constantemente perseguida e julgada por seu passado sexual ou Maddy, que tem que decidir se ama seu namorado mais do que seu próprio bem-estar.
Jules, a adolescente transgênera, tem problemas que envolvem relacionamentos sexuais complicados e muitas vezes perigosos, baixa autoestima e depressão e Nate está sempre tentando se provar para o pai, enquanto lida com questões particulares e com a violência que tem dentro de si mesmo e que ele não consegue controlar.
Os personagens de Euphoria são adolescentes e é certo que a série conversa com essa faixa etária, mas quando ela toca em temas muito mais sérios e que saem da esfera dos problemas juvenis, ela também fala com boa parte do público.
Aspectos técnicos de Euphoria
É óbvio que temos aqui uma grande produção extremamente cuidadosa. A parte técnica da série é impecável. Os figurinos são muito bem feitos e diferenciam um personagem de outro. Rue, por exemplo, não é nada feminina e nem especialmente arrumada, ela aparece sempre com cabelo despenteado e quase nenhuma maquiagem, enquanto Jules é extremamente feminina e está sempre de saia e vestido.
Já Cassie e Maddy usam com frequência roupas sensuais, que destacam seus corpos, e usam seus figurinos como uma forma de se auto afirmar, mas conforme vamos assistindo aos episódios, percebemos que os figurinos são apenas cascas que elas usam para se protegerem.
É interessante a maneira com que Euphoria retrata Kat, uma menina completamente fora dos padrões, que começa tímida e recatada, mas vai pouco a pouco tomando conta da sua própria sexualidade e usando isso para se afirmar, diferentemente de Cassie e Maddy. A maioria das obras que mostram meninas fora dos padrões, as retratam como tímidas, mas Kat de fato, muda de posição no meio do caminho.
Também é bem atual a maneira com que a série se recusa a definir a sexualidade de seus personagens. Jules é uma mulher transgênera, mas isso é completamente irrelevante na história da personagem e Rue se apaixona por Jules, mas em nenhum momento questiona ou define sua sexualidade. Em determinado momento até ficamos sabendo de seus outros relacionamentos, com garotos.
Euphoria tem um elenco jovem, mas talentoso, que se mostra muito bem dentro de seus personagens. Alexa Demie e Sydney Sweeney conseguem dosar muito bem os dois lados de suas personagens: garotas populares, repletas de segredos e inseguranças e Jacob Elordi começa a série muito próximo de seu personagem em A Barraca do Beijo, mas termina completamente distante e se mostra um ator sério e empenhado.
O grande destaque é de Zendaya que, despida de qualquer vaidade, aparece em cena sem maquiagem e mergulha a fundo em Rue, entregando uma personagem de quem temos raiva e compaixão em momentos diferentes e que o telespectador quer acompanhar.
Euphoria tem uma fotografia bonita, com cores fortes, uma edição rápida e episódios que, mesmo narrados por Rue, se focam em personagens diferentes, e contam suas histórias pregressas, dando a sensação de que nós também conhecemos esses personagens muito bem. A série prende e é quase impossível largá-la antes de chegar ao final.
Com personagens adolescentes, mas com tramas que falam também com os adultos, Euphoria trata de temas sérios e tem personagens complexos, mas cativantes, de quem o telespectador não quer soltar a mão.