Hellboy: Estranhas Missões – Uma Antologia

Esta é a primeira antologia em prosa de Hellboy publicada no Brasil. Como qualquer coletânea de contos por inúmeros autores, Hellboy: Estranhas Missões é bastante plural e de qualidade variada.

Christopher Golden, velho parceiro do criador Mike Mignola em vários projetos, reuniu aqui dezenas de escritores do mercado americano, seja de quadrinhos, da literatura ou da TV, para narrarem suas próprias histórias do garoto do inferno. E o mais bacana é que o sempre maleável Mignola, até então em sua primeira incursão em um projeto do porte (este é o primeiro livro, de muitos outros que saíram depois), compreendeu que, apesar de alguns não seguirem o estilo esperado e visto nas HQs que produziu, ainda sim somavam de certa forma ao universo de HB, cada qual a sua maneira. Ele diz isso em seu breve prefácio, seguido de uma charge bizarríssima de Grahan Wilson.

Os contos de Hellboy: Estranhas Missões

O conto que abre o livro é “Corvos Amendrontados”, escrito a quatro mãos por Rick Hautala e Jim Connolly, que tem uma pegada curiosamente meio Stephen King e coloca então um Hellboy bêbado num bar de beira de estrada, afogando as mágoas com uma estranha, sobre uma missão que terminou em tragédia.

Em seguida, Philip Nutman nos apresenta a intimista e melancólica “Uma Mãe Chora à Meia-Noite”. Com o vermelhão acerca de um caso no Novo México com La Llorona. “Folie à Deux” de Nancy Holder, é basicamente um interessante tratado sobre os horrores da guerra. Encaixando HB no Vietnã, com dois combatentes que presenciaram algo incomum. Matthew J. Costello é o primeiro a resgatar Abe Sapien no bobinho “Uma Noite na Praia”. Este faz com que os dois parceiros tenham de impedir uma invasão vinda do mar. 

Em momentos políticos tão intensos, ler “Política dos Demônios” de Craig Shaw Gardner foi um achado. Com o autor tratando de possessão entre grandes figuras do senado e criando importantes paralelos com o mundo real. Por outro lado, Max Allan Collins brinca de Scooby-Doo (mas nem sempre) no descompromissado “Tive o Filho do Pé-Grande”.

Curiosidades sobre o personagem

O famoso roteirista dos quadrinhos do Monstro do Pântano, Stephen Bissette, escreve aqui um dos três melhores contos da antologia; em “Quebra-Cabeça” acompanhamos as tramas paralelas das investigações de Hellboy e Abe de um lado; e a vida amorosa e profissional de um casal de outro. Com o rapaz descobrindo e se envolvendo com uma “cabeça falante” absolutamente bizarra e formidável; o conceito é genial e este é um daqueles enredos que se encaixariam perfeitamente numa HQ do personagem.

Seguindo a linha de trabalhar o horror com questões sociais, sem perder o viés intrínseco desse universo, Chet Williamson concebe em “Onde Seu Fogo Não é Extinto” não só um autêntico quadrinho do vermelhão. Ele metaforiza o racismo no cerne dos EUA de maneira aterrorizante e certeira. “O Nuckelavee” é a única tentativa de Mignola em participar da antologia. Provavelmente dando ideias ou a premissa para que o escritor Christopher Golden execute a história de uma herança maldita. Um conto bem maluco (ainda que facilmente reconhecível em estilo, para fãs do personagem). Então só lendo para entender.

De longe, o melhor conto da publicação é “Para Longe Voou a Ostentação”, de Brian Hodge. Este posiciona Hellboy em uma paragem insólita pelos ermos do mundo. Onde ele confrontará uma criatura antiga, antes dos mitos tomarem forma; Com escrita sofisticada e até poética, mesmo dentro de sua morbidez inerente. O que permite uma leitura fluída. Então Hodge ainda consegue segurar o mistério acerca do monstro até as últimas páginas, com um desfecho repleto de dissabores.

Alguns contos são estranhos

Quase como se para equilibrar, “Um Conto de Fadas Sombrio”, de Nancy Collins, é a pior história do livro. A autora parece conhecer pouco do universo onde se meteu, supostamente se baseando mais nos duvidosos filmes do Del Toro (que se distanciam bastante do original) do que da obra de Mignola; ela nunca encontra voz ou propósito para o garoto do inferno, quase irreconhecível aqui.

“Queime, Bebê, Queime” é assumidamente o conto mais ousado, com uma proposta bem distinta dos demais; ao invés de colocar Hellboy investigando um caso e depois o resolvendo na base do confronto (como é em boa parte das tramas das HQs também), Poppy Z. Brite se propõe a narrar o passado de Liz Sherman quando criança e adolescente, de forma crua e bem-feita, quase como se o filme Kids se encontrasse com Carrie, a Estranha, no melhor dos sentidos.

Yvonne Navarro não consegue evitar os clichês na previsível e esquecível “A Vingança da Medusa”. Com HB na Grécia enfrentando estátuas vivas e… Bem, a Medusa, é claro. Para encerrar com chave de ouro, o grande roteirista de quadrinhos Greg Rucka chuta o balde no divertidíssimo “Entregue”, onde acompanhamos Hellboy desesperado em Nova York atrás de sua pistola e o papo que se desenrola entre ele um rato gigante; é sério, eu terminei esse livro rindo, a ideia é genial.

Mas vale a pena ler!

Ainda que um ou outro conto peque em tramas bobas ou desnecessárias, a maioria ainda se sai bem, com histórias que claramente poderiam se encaixar em um quadrinho do vermelhão, ou então entregando propostas inesperadas, mas que surpreendem pela ousadia, seja em forma, seja em conteúdo. Além é claro, daqueles três contos formidáveis, que merecem releituras anuais. Em todas as histórias, me peguei conferindo se a voz do personagem ou se sua linguagem corporal estava ornando ou funcionando na escrita de cada autor. Nem sempre, é claro, mas essencialmente era o personagem ali, envolvido com alguma situação possivelmente sobrenatural. Na maioria das vezes, os autores souberam manter o mistério dos casos até próximo do desfecho, além de brincar com criaturas e situações que ainda não tinham sido exploradas nas HQs, o que entrega um resultado bastante satisfatório.

A edição da Mythos é bem caprichada, com capa dura (além do título em relevo e dourado), uma diagramação de miolo aceitável no tamanho da fonte, com uma ilustração de Mignola por conto. A tradução de Alexandre Callari também é certeira, respeitando a voz de cada autor, sem perder o estilo que representa Hellboy para quem conhece bem o personagem. O grande pecado se dá na revisão, com dezenas de errinhos escapulindo aqui e ali, que ficam feiosos em uma edição tão bonita. Algo a se rever com mais cautela numa segunda edição.

Hellboy: Estranhas Missões é uma publicação obrigatória para fãs do vermelhão, mas que também pode servir de porta de entrada para novos leitores, e apreciadores de uma boa literatura. Ainda mais para aqueles que curtem histórias de horror, uma boa pedida para o Halloween.

Hellboy: Estranhas Missões

Nome Original: Hellboy: Estranhas Missões
Autor: Mike Mignola, Aurelio Galleppini, Gian Luigi Bonelli, Alexandre Callari
Editora: Mythos
Gênero: Contos
Ano: 2018
Número de Páginas: 216

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