La Casa de Papel, um thriller com charme latino
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La Casa de Papel acompanha um homem chamado de Professor, vivido por Álvaro Morte, recrutando um grupo de pessoas com habilidades específicas para algo que planeja há tempos: um roubo de proporções homéricas. Enquanto ele tem o plano perfeito, Tokio (Úrsula Corberó), Rio (Miguel Herrán), Nairóbi (Alba Flores), Berlim (Pedro Alonso), Moscou (Paco Tous), Denver (Jaime Lorente), Helsinque (Darko Peric) e Oslo (Roberto García Ruiz) têm as habilidades necessárias para colocá-lo em ação – todos têm nomes de cidades para protegerem a própria identidade dentro do grupo.
![O Professor](https://vitaminanerd.com.br/wp-content/uploads/2018/04/la-casa-de-papel-professor.jpg)
Do outro lado da balança estão os negociadores, liderados por Raquel Murillo (Itziar Ituño), uma mulher que precisa lidar com o descrédito de colegas de trabalho machistas e com o drama particular de ter sofrido violência doméstica do ex-marido, também policial, colocando em risco a guarda de sua filha. São evidentes as várias referências espalhadas ao longo da produção, que colaboram para o impulsionamento do enredo. Desde o corte de cabelo à lá Mathilda (de O Profissional) que Tokio usa, passando pela máscara de Dalí (que imediatamente nos remete a de Guy Fawkes, ainda que sem a importância política ou social de V de Vingança), até o roteiro que bebeu muito da fonte de O Plano Perfeito, filme de assalto de 2006 que também trazia um impressionante jogo de gato e rato entre polícia e ladrão.
Embalados por uma trilha cheia de gravidade (Manel Santisteban e Iván Martínez Lacámara certamente se inspiraram em Hans Zimmer) e uma abertura melancólica pegajosa (“My Life Is Going On”, trabalho certeiro de Cecilia Krull), é em “Bella Ciao” que o espetáculo toma forma envolvente (a canção repetida inúmeras vezes entre os episódios foi o hino da resistência contra a política fascista de Benito Mussolini na Itália).
Dois elementos são os fatores de sucesso da série de 22 episódios, aqui no Brasil dividido em duas partes pela Netflix: o primeiro é o grande golpe arquitetado pelo Professor, sempre um passo à frente da polícia, o que fornece as melhores reviravoltas da trama. Quando achamos que ele foi pego, ou descoberto, ou com um furo no plano, percebemos que não é bem verdade e ele já tinha o próximo gancho em andamento. O Professor, tal qual Kira de Death Note, é metódico, inteligente e frio na medida para executar sua obsessão, realizando cada ato sem perder o carisma. Por isso, o personagem, ao lado de sua amada e inimiga não declarada Delegada Murillo (e seu viés de empoderamento não panfletário muito bem realizado), são as melhores figuras em tela. Juntos, os dois surpreendem o público do começo ao fim, sem abandonar a humanidade, encontrando o equilíbrio ideal de romance com ação. Ação essa, aliás, que é intensa e vigorosa, com os 8 ladrões dentro da Casa da Moeda, engatando um gesto no outro, da falha humana a grandes sacadas, que nunca deixam a história cansar.
![Os negociadores](https://vitaminanerd.com.br/wp-content/uploads/2018/04/la-casa-de-papel-raquel.jpg)
O segundo elemento é o fator humano que reside justamente na interação entre os personagens. Além do casal improvável principal, temos ainda outros casais absurdos que são formados dentro do alvo da ação, e é justamente essa melação de novela que confere personalidade à produção, não permitindo que ela seja só mais um thriller de assalto pasteurizado. Nessa parte do elenco, Berlim é o destaque, segundo na cadeia de comando e cheio de tiques vilanescos, consegue manter o plano funcionando mesmo com todos os desvios e ainda que ele seja um crápula em mais de um sentido, é o que traz alívio quando algum moleque tenta alterar o que não deveria ser mexido. Moscou é o coração da obra, Nairóbi é a sensata e Helsinque um alívio que oscila entre brutalidade e sensibilidade. O problema mesmo reside na parte jovem do elenco, que quase arruína a série em vários sentidos. Tokio é simplesmente insuportável. A personagem, que a princípio parecia ser a protagonista por dar voz da narrativa, é impulsiva e merdeira, atrapalhando praticamente todos os grandes pontos do enredo. Rio é ingênuo, bobo e nunca sabe o que quer, por isso é prazeroso sempre vê-lo se lascando, como punição pela imaturidade irritante. E Denver, que não só tem um péssimo ator por trás do mancebo que conquista o coração de uma refém, como também desgasta o público nas interação emocionais com o pai. Ainda que a revelação de passado de alguns ladrões seja necessária para gerar empatia, muitas vezes esses momentos soam piegas e bregas, o que quase forçam um acelerar na timeline para a parte que realmente importa: a treta entre os ladrões e o grande golpe em andamento. E nem falaremos do inútil do Arturito, construído pra ser o pícaro do plot, que é incapaz tanto de executar o que pretende, quanto de ganhar o espectador.
![Os ladrões](https://vitaminanerd.com.br/wp-content/uploads/2018/04/la-casa-de-papel-all.jpg)
Dentre os acertos da série, temos as falhas fora da Casa da Moeda. Assistir ao Professor improvisando é ainda melhor do que quando ele está fazendo seus origamis calculadamente sobre a mesa de operações. Os roteiristas são espertos e deixam várias pistas e itens ao longo da história, que podem ajudar os ladrões ou derrubá-los, gerando assim um equilíbrio importante, onde o maniqueísmo é quebrado e coloca o público ora torcendo pro sucesso do golpe, ora torcendo pra ação policial, misturando os conceitos de “certo e errado”, enquanto homenageia outras grandes obras policiais e de assalto e que deixariam Christopher Nolan orgulhoso em mais de um sentido.
![Berlim](https://vitaminanerd.com.br/wp-content/uploads/2018/04/la-casa-de-papel.jpeg)
La Casa de Papel poderia ter alguns episódios a menos e investido pouco nas breguices entre os personagens, mas não perde o tom e fornece um espetáculo narrativo estiloso e cheio de vigor, revelando que não são só os americanos e ingleses que são capazes de realizar um thriller envolvente do gênero, com um charme que só os latinos conseguem aplicar.
La Casa de Papel
A série mais falada dos últimos tempos justifica seu sucesso ao realizar boa mistura entre thriller de roubo com intensidade emocional de novela.