O Juízo, terror nacional com clichês universais
Em O Juízo, Guto (Felipe Camargo) se muda com a esposa (Carol Castro) e o filho (Joaquim Torres Waddington) para a antiga propriedade de seu avô. A ideia é viver em tranquilidade e restabelecer sua relação com a família. No entanto, ao chegar lá, Guto se depara com Couraça (Criolo) e Ana (Kênia Bárbara) que estão sempre rondando a região e que querem se vingar da família.
O Juízo parte de um tema bem diferente e bem típico do Brasil, por isso, é possível dizer que o filme é um terror nacional que trata de temas do país. Os temas passam por escravidão, dívida histórica e carma, e nesse aspecto ele é muito criativo. Entretanto, independentemente disso, existem alguns aspectos que são quase clichês nos filmes do gênero.
A família que chega à essa casa nova para se reconstruir; o pai alcoólatra que tem uma tendência a ficar violento quando bêbado; a casa que funciona mais ou menos como um personagem; e os espíritos que habitam esse lugar e servem como uma tentação para o pai. É impossível ler essas características e não pensar e O Iluminado.
O Juízo – Clichês do terror
Os planos que abrem o filme e mostram a família de Guto chegando à casa são extremamente parecidos com os planos iniciais de O Iluminado, de Stanley Kubrick, o que aumenta ainda mais essa percepção. Isso, por si só, não é um problema tão grande. O gênero do terror tem uma tendência a se repetir, justamente porque é difícil se desviar de tramas tão centrais, mas O Juízo não tem muitas surpresas.
A primeira cena já entrega quem são Couraça e Ana, os personagens que, anos depois, vão assombrar Guto e sua família. O restante das tramas é bem fácil de prever, o que tira um pouco da graça do filme.
Crítica social
A ideia por trás do filme, no entanto, não é tanto o terror, mas sim, a crítica social por trás dele. O longa tenta seguir a mesma linha de Corra!, que mostra que nenhum aspecto sobrenatural é tão assustador quanto a realidade, mas não é tão bem sucedido quanto o filme de Jordan Peele.
O Juízo trata de temas muito importantes e que sem dúvida nenhuma são bem mais assustadores do que qualquer fantasma habitando uma casa antiga. O primeiro deles é a deterioração da família. O casamento de Guto e Tereza não está bem, os dois tem dívidas e precisam cuidar de um filho adolescente que está a cada dia mais calado. O segundo é o alcoolismo de Guto, que leva à violência, o que automaticamente faz a trama tratar de violência conjugal.
Mas essas duas tramas poderiam fazer parte de qualquer filme de terror, de qualquer nacionalidade, já que esses são temas quase atemporais. O que este filme acrescenta de diferente é justamente o tema da escravidão. Couraça é um escravo que conseguiu comprar sua liberdade e procura abrigo na casa do ancestral de Guto, mas que é pago com traição. O ato do dono da casa coloca um carma na família toda, que acaba sobrando para Guto e, automaticamente, sua mulher e seu filho.
A escravidão
Fernanda Torres, que é a roteirista do filme, disse que queria justamente explorar essa dívida que o Brasil tem com a população negra, que tem sua origem na escravidão e que provavelmente nunca será paga. Quando pensado dessa maneira, o fato de Couraça e sua filha, Ana, assombrarem a família do homem que foi responsável por sua desgraça faz muito sentido.
No entanto, o filme não é tão contundente assim na sua crítica e, uma vez que boa parte dos seus mistérios já são entregues logo no começo do filme, a possibilidade de que a plateia vá descobrindo os elementos usados pouco a pouco fica bem diminuta. Claro que abordar esse tema é importante e é sempre interessante poder entrar em contato com um filme de terror brasileiro, que fala dos nossos costumes e das nossas questões, mas a trama de O Juízo poderia ser um pouco mais apurada.
Aspectos técnicos
No quesito técnico, este também é um filme bem típico do gênero, mas não que isso seja ruim. É mais fácil se colocar na trama quando se usa os aspectos técnicos clássicos do terror.
O filme é bem escuro, na fotografia, no figurino e até na paisagem. O espectador acompanha diversos planos que são feitos quase completamente no escuro, só com luzes de vela. O fato de a casa, seja na trama do filme, seja na realidade, não ter mesmo luz, ajuda a deixar essa fotografia mais realista. O cenário é repleto de casarões antigos, típicos de Minas Gerais, e de natureza indomada e perigosa. Muito da trama se passa em momentos de chuva, que foram de fato, filmados na chuva.
O filme também apresenta um bom elenco, que funciona muito bem nos seus papéis, como Felipe Camargo, Carol Castro, Lima Duarte e claro, Fernanda Montenegro, que é sempre um show à parte.
O longa certamente tem boas intenções e um tema que é interessante, mas não é um filme assustador, que é o que se espera de um filme de terror e não deixa o público na expectativa do que vai acontecer, que é o que se espera de um filme de suspense, além de entregar seus segredos cedo demais e deixar pouco para a imaginação da plateia.
O Juízo entra em cartaz no dia 5 de dezembro.