Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso, sutileza não tem vez
Como o título sugere, Suburbicon se passa em um subúrbio – o arquétipo da comunidade verdejante e acolhedora, símbolo do “american way of life” –, em 1959. Em tom de fábula absurdista, a localidade é apresentada como a terra das oportunidades. Nota-se, porém, que há algo de podre no “reino da Dinamarca”, quando a primeira família de negros (os Myers) decide migrar para a região e é recebida com hostilidade. Subtrama esta que tem origem em um caso da vida real. O que gera cenas abomináveis de tão realistas, ainda mais para os momentos políticos em que EUA e Brasil vivem hoje. Assim, a produção é evidente ao reagir contra o governo Trump.
Em paralelo, a casa dos Lodge sofre uma invasão que resulta em uma tragédia. Uma aberração que é amplificada pelo comportamento “banana” do chefe dessa família. E o que tem início como um faz de conta infantil, se desenrola em uma espiral de acontecimentos lisérgicos. Banhados a sangue, claro.
Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso
Em sua sexta incursão como diretor, o astro George Clooney realiza aqui um filme sólido, autêntico e consciente de sua proposta. Além da abertura deslumbrante, que já dita parte dos tons da obra, toda a fotografia e figurino assumem a paleta ora pastel ora avermelhada. Com diálogos caricatos, esse drama é um verdadeiro humor negro. Isso tudo faz ainda mais sentido quando descobrimos que Suburbicon era um roteiro até então engavetado pelos irmãos Joel e Ethan Coen. E Clooney teve a coragem de ressuscitá-lo (em boa hora, por sinal). Por isso mesmo, para o bem ou para o mal, a assinatura do diretor acaba se diluindo por aqui. Afinal, este mais parece um típico longa dos Coen (do texto ao visual, das escolhas de enquadramento à edição etc).
Apesar de se tratar de um filme de época, toda discussão a respeito da “supremacia branca” e do individualismo não poderiam soar mais atuais (realizado tão brilhantemente no recente “Infiltrado na Klan“). Mas o roteiro peca ao não correlacionar tão bem os Lodge com os Meyers. Eles moram um de frente para o outro. A família branca parece viver uma realidade à parte das atrocidades que vem ocorrendo com os demais. Dessa maneira, temos dois filmes em um, o que pode soar esquizofrênico em certo momento, mas funciona no escopo geral.
O elenco
Versátil, Matt Damon consegue mostrar uma persona difícil de engolir, sonsa até o talo e responsável pelas principais reviravoltas da trama. Julianne Moore faz aqui dois papéis, com seu típico cinismo, mais bem-vindo do que nunca na proposta. Oscar Isaac tem a melhor entrega, com um sujeito super sagaz. Glenn Fleshler (que já havia nos apavorado na primeira temporada de True Detective) e Alex Hassell (que estará no futuro live-action de Cowboy Bebop) são versões realistas e honestamente aterrorizantes daqueles invasores de lar vistos em Esqueceram de Mim, em um elenco ainda bem servido com as canastrices de Jack Conley, a amabilidade de Gary Basaraba e a paciência estratosférica de Karimah Westbrook.
No meio de tanta crueza, as crianças Noah Jupe (praticamente o protagonista) e Tony Espinosa, guardam talento de sobra e uma pureza necessária para equilibrar o jogo.
Sutileza, aliás, não é a palavra da vez neste filme. Tudo é elevado a níveis absurdos, mas não irreais. O que serve à premissa no sentido de escancarar as mazelas da sociedade sem filtros. Revelando então o lado podre de uma comunidade, que na verdade representa parte de uma nação. Mas a história, assim como a vida, tem seu próprio jeito de punir os mal intencionados: com a velha e boa causa e consequência.