Você Nunca Esteve Realmente Aqui
Exercício intimista busca falar sobre traumas e resgate através de gestos
Transitando entre a temática e a atmosfera de Taxi Driver e Oldboy, a diretora Lynne Ramsay retorna com seu cinema de poucas palavras que diz muito com as ações, com os planos-detalhe e com os olhares. Você Nunca Esteve Realmente Aqui traz pouquíssimos diálogos, permitindo ao espectador interpretar gestos e contextos através do que é mostrado, não do que é dito.
Dessa maneira, nesse filme enxuto, definitivamente curto e grosso, compreendemos que o protagonista Joe é um ex-veterano de guerra com transtorno pós-traumático que trabalha resgatando garotas, preferencialmente em casos de abusos de menores. Descobrimos que Joe vive com a mãe idosa no subúrbio atemporal entre os anos 70 e 80. Ele tem porte de soldado, barriga de chope e uma mente infante, em mais um mosaico complexo que Joaquin Phoenix realiza.
Compreendemos que no passado ele falhou em uma missão. Compreendemos quem são os abusadores e suas motivações. Nada disso é comunicado. Ramsay joga no colo do público e espera que cada um absorva o que puder, mas digerir alguns detalhes não será tão fácil assim. A diretora já havia feito o mesmo antes, quando criou seu estilo no mediano “Precisamos Falar sobre o Kevin”, onde mais uma vez colocava sua protagonista internalizando as questões, deixando que o olhar forneça as informações necessárias.
Você Nunca Esteve Realmente Aqui
Nisso, Joe é o oposto do Travis Bickle de Robert De Niro, já que no longa de Martin Scorsese o motorista conversa com o público em sua narração em off explicitando as situações. Mas ainda guardam semelhanças pelo cenário que transitam, pela maldade que deixam na coleira, a soltando com fúria depois, e pela maneira como enxergam a pureza nas crianças. Troca-se Iris por Nina, e agora Ekaterina Samsonov consegue ser ainda mais angelical do que Jodie Foster.
De Oldboy, Ramsay empresta o martelo e o desconforto, se aproximando da direção angustiante de Park Chan-wook, repleta de cortes secos e pequenas elipses. Joe, tal qual Oh Dae‑su, mata os criminosos com muita crueldade, mas em Você Nunca Esteve Realmente Aqui a diretora não fetichiza a violência e esconde os momentos de martelada ou tiros, deixando para a cena seguinte os corpos espalhados pelo caminho.
No final, sem solução fácil ou possibilidades positivas dentro desse contexto mundano e inevitável, Joaquin Phoenix brilha sozinho e mais uma vez prova seu valor, como um dos maiores atores de sua geração. Por isso mesmo não precisa tanto de diálogos ou fisicalidade. Sua presença é o suficiente.
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