Yentl – A situação da mulher judia na sociedade
Na virada do século XX, na Europa ocidental, a jovem judia Yentl (Barbra Streisand), vive com seu pai, o Rabino Mendel (Nehemiah Persoff) e só deseja estudar e aprender.
Segundo a tradição, no entanto, as mulheres não devem aprender e sim cuidar da casa, do marido e dos filhos e o Rabino deseja que Yentl se case logo. Ela, por outro lado, rechaça essa proposta.
Quando o seu pai morre, Yentl, que é filha única e não tem marido nem mãe, resolve se travestir de homem e ir para a cidade onde pode estudar o Talmud e ter uma formação religiosa.
A origem de Yentl
A versão mais famosa de Yentl é, sem dúvida, o filme de 1983. No entanto, a trama é originalmente um conto chamado O menino da Yeshiva, de Isaac Bashevis Singer. Em 1975, Yentl chegou aos palcos.
Streisand já tinha demonstrado interesse pela peça em 1968, e ela mesma escreveu um roteiro, que mais tarde se tornaria o filme, que ela dirigiu e escreveu junto com Jack Rosenthal.
A comunidade Judaica
O filme se passa inteiramente dentro de uma comunidade judaica ortodoxa. Começa centrado em uma pequena vila, onde Yentl e seu pai moram, mas logo se transfere para uma cidade maior, onde a protagonista, agora se apresentando como homem, passa a viver.
O filme então, nos coloca dentro daquela comunidade e, mais especificamente, dentro de uma comunidade judaica no final do século XX. Naturalmente que o filme vai falar mais com pessoas que são judias e que talvez já compreendam os costumes melhor do que outras, mas ele também é uma ótima maneira de se inteirar e conhecer mais sobre esses costumes.
Claro que o filme não fala sobre todos os costumes, mas aqui temos explanado de maneira bem lúcida como era a vida das mulheres que faziam parte da comunidade naquela época, destinadas ao casamento, ao lar e à família, enquanto os homens tinham chance de almejar algo mais além.
Nesse sentido, Yentl tem alguma semelhança com o musical O Violinista no Telhado, que também se passa em uma comunidade judaica.
A posição da mulher
O grande tema aqui, no entanto, é a posição da mulher na sociedade. O filme fala especificamente sobre a posição da mulher judia na sociedade da época, mas pode falar com qualquer mulher que estivesse – ou que esteja – buscando seu próprio crescimento pessoal.
Yentl foi criada pelo pai, que a ensinou a ler, a discutir e a pensar “como um homem”. O telespectador nota desde o começo que Yentl não é como as outras garotas da vila. Afinal, ela não sabe cozinhar, não sabe cuidar da casa, gosta de discutir, inclusive com os homens e, em determinado momento, diz que aprender é tudo que ela deseja. O Rabino se mostra relativamente tolerante e, embora comente que não soube ensinar sua filha a “ser uma mulher”, não parece arrependido de todo o conhecimento que passou a ela.
Quando o pai a informa que ela precisa casar e se dedicar ao seu marido, sua casa e, futuramente, seus filhos, Yentl rebate que quer estudar, o que era proibido para as mulheres, na época. No entanto, depois da morte do Rabino, ela se vê completamente sozinha e percebe que tem a chance de realizar seu sonho.
Ela então corta o cabelo, passa a se vestir como homem e sai da vila com intenções de ir estudar os ensinamentos de Talmud. O telespectador também tem uma visão do que seria a mulher ideal quando conhece Hadass (Amy Irving), a noiva de Avigdor (Mandy Patinkin), colega de Yentl, por quem ela se apaixona.
Vivendo como homem
Boa parte do longa se dedica a retratar Yentl travestida de homem. A ideia não é falar sobre pessoas transgêneras, essa nem parece ser uma questão que fosse surgir em uma comunidade judaica ortodoxa na virada do século XX, mas o filme fala sobre isso indiretamente.
Ao mesmo tempo que a protagonista pode desfrutar dos privilégios de ser homem, ela também tem que lidar com uma série de questões, como esconder sua verdadeira identidade e conviver com vários homens desconhecidos. Tudo se complica ainda mais quando ela nota que está se apaixonando por Avigdor, um de seus colegas.
E, mais tarde, as coisas pioram um pouco mais, porque Yentl nota que está chamando a atenção de Hadass, a noiva de Avigdor. O filme não quer trazer à tona nenhuma questão LGBTQIA+, mas é impossível tirar o subtexto – talvez não intencional – de momentos e de cenas como essas. Se estabelece uma espécie de triângulo amoroso entre Yentl, Hadass e Avigdor, mas que é bem diverso, uma vez que Yentl, travestida de homem, gosta de Avigdor, que gosta de Hadass, que por sua vez, se vê cada vez mais interessada em Yentl, vestida de homem.
As cenas que mostram Yentl interagindo de maneira romântica com Avigdor não deixam der ser cenas de dois homens, e as cenas que mostram Hadass interagindo romanticamente com Yentl não deixam de ser cenas de duas mulheres.
Aspectos técnicos
Yentl é um filme extremamente bem elaborado e produzido. A vila onde a moça vive é reconstruída com bastante verossimilhança, o que dá mais realidade à história narrada. Os figurinos também são impecáveis, mesmo vendo Yentl de mulher poucas vezes, ela usa vestidos bonitos, típicos da época e sempre escuros. Quando passa a usar roupas masculinas, ela mantém esse padrão, assim como os outros personagens masculinos da trama. Já Hadass, que é o oposto de Yentl, usa sempre roupas claras, mais uma vez deixando óbvio esse contraste entre as duas.
O filme é dirigido pela própria Streisand, que entrega um trabalho redondo, emocionante e que é muito moderno e atual. Yentl é completamente diferente das outras mulheres da sua comunidade e isso se aplica a todos os aspectos da sua vida.
O filme tem boas atuações, tanto Patinkin, quanto Irving se saem muito bem nos seus papeis. Ele aparece quase desde o começo e, por isso, vamos conhecendo seu personagem junto com Yentl. Já ela ganha mais projeção na segunda metade do filme, mas interpreta uma personagem que muda, de mulher submissa, a alguém que tem opiniões e ideias próprias e isso é muito interessante de assistir.
A grande estrela do filme é, claro, Streisand que se sai bem tanto no seu papel feminino, quanto no masculino.
As músicas
Yentl é um musical com poucas músicas, que foram adaptadas da peça de 1975. Entre elas estão Papa Can You Hear Me?, The Way He Makes Me Feel, Tomorrow Night, Will Someone Ever Look At Me That Way e No Matter What Happens.
O filme também não tem grandes números musicais, talvez porque as músicas que apresenta sejam lentas e geralmente tratam de temas mais tristes e sérios. As cenas com músicas refletem os sentimentos de Yentl e todas as músicas são cantadas por Streisand.
De fato, este é um musical que não tem tantas músicas (para se ter uma ideia, aqui temos treze músicas, já Os Miseráveis, por exemplo, tem vinte), mas provavelmente não vai agradar quem não gosta do gênero, porque Yentl não tem aquele clima comum dos musicais, em que o telespectador sabe que de uma hora para a outra, os atores vão cantar. Yentl soa como um filme qualquer, que por acaso tem músicas, e isso pode incomodar e saltar ainda mais aos olhos de quem não gosta do gênero.
No entanto, o filme funciona bem, e as músicas quebram um pouco do clima, que é pesado. Mesmo sendo longo, a produção passa de maneira relativamente rápida e o telespectador fica preso à trama.
Yentl traz à tona uma trama e uma realidade, que talvez não seja conhecida por todos e, por isso, é importante. Que ele traga personagens carismáticos e boas músicas, é só mais um ponto positivo.