1917, uma jornada contra o tempo, uma elegia ao horror
Uma aventura visceral
Plano-sequência (take único que acompanha um personagem do começo ao fim). Muito se fala no uso impressionante desse recurso durante todo o filme, talvez sua marca registrada para os mais impressionáveis. Aqui o plano-sequência realmente é tecnicamente perfeito, mas outras produções nas telonas e telinhas já fizeram tão bem quanto. De “Festim Diabólico” a “A Marca da Maldade”, de sequências de “Oldboy” a série do “Demolidor”, até mesmo “Birdman” executado inteiro dessa forma, assim como neste 1917.
Sam Mendes é um diretor que se desafia a cada novo trabalho, ora ousando em temas complexos (como no brilhante “Beleza Americana”), ora fazendo uso arrojado de sua fotografia e direção de arte (como em “Estrada para Perdição” e “Skyfall”), sempre atrelando um valor ao outro e não dependendo unicamente de uma ferramenta para brilhar.
Portanto, me parece bastante injusto sustentar todos os deslumbres sobre o uso de plano-sequência. Em definitivo, o recurso serve à narrativa e não o contrário, o que fortalece também todo o trabalho gráfico no longa, já que cada ambientação é palpável, num nível de realismo impecável. A trilha sonora de Thomas Newman também contribui para atmosfera de apreensão que assoma o longa do início até seu desfecho, em tom de purgatório.
1917
Mas o que faz de 1917 uma grande obra é seu desprendimento do gênero “filme de guerra” para algo além. Ao flertar com outras possibilidades, a produção se legitimiza como uma autêntica história de horror. Das passagens pelas “mansões mal-assombradas” (com ratazanas navegando pelo lugar, sussurros ao vento, dos inocentes presos sem esperança), até os campos abertos, vazios ou devastados, com a natureza selvagem devorando os corpos deixados para trás, enquanto abre passagem para almas penadas com destino certo até a boca do abismo.
Tudo na trama é uma elegia ao horror, com a fotografia saturada e o jogo de luz e sombras e chamas enchendo os olhos no inferno inescapável da Primeira Grande Guerra. Tal qual Nolan realizou em “Dunkirk”, Mendes dá segmento a ideia de não fetichizar mortes ou explosões, apenas levando o espectador para dentro do filme, a fim de tridimensionalizar sua experiência ultrarrealista.
Elenco
Vários grandes nomes de Hollywood transitam em tela, ou aparecendo rapidamente aqui e ali, mas é o sempre promissor George MacKay quem realmente nos cativa em sua jornada contra o relógio, na ingrata missão que ele tem, de levar uma mensagem em uma travessia de perigos, com o objetivo de salvar 1.600 de seus companheiros de uma armadilha.
E nesse ponto, Sam Mendes também flerta com o cinema de aventura. Ele coloca “missões” a cada avanço do protagonista (que sai ileso de qualquer golpe, não é atingido por mais nenhum tiro, afinal o roteiro precisa que ele cumpra sua tarefa), repletas de ameaças verdadeiras, que farão qualquer um, que já estivesse preso o suficiente na cadeira, saltar delas em sustos autênticos.
Em seu escopo, 1917 se aproxima mais de “O Regresso” do que de “Dunkirk”. Já que aqui, acompanhamos a jornada do homem contra a natureza e não do homem contra o homem. Aventuras, afinal, nem sempre são divertidas. E o cinema é arte, não ciência exata.