American Gods – 2ª temporada – Amazon Prime Video
A viagem de ácido continua tão incrível quanto antes, cutucando as feridas da América
Retornando com 8 episódios, dois anos depois e sem seus produtores originais (Bryan Fuller e Michael Green), assim como alguns dos atores, American Gods – 2ª Temporada não só sobreviveu aos contratempos de bastidores, como entregou um material tão bem realizado quanto anteriormente. Manteve a unidade visual impecável, de cores saturadas e um trabalho de edição quase alucinógeno. O roteiro, mesmo confuso e abstrato na maior parte do tempo, surpreende quando segue uma narrativa mais sólida.
Deixando Shadow um pouco mais de escanteio nessa temporada, o espectador ainda acompanha o deslumbramento e descoberta do mundo divino além da cortina através de seus olhos. Então, cada vez mais receoso e desconfiado, enquanto os dois lados do embate maquinam suas ferramentas para a batalha final. As duvidosas intenções de Wednesday vão ficando mais evidentes a medida que a trama avança. Sua road trip ganha corpo quando ele sai pelo meio oeste em busca de uma lança lendária e de alguns outros deuses que poderiam ajudá-lo a desequilibrar a balança.
Nessa jornada, novas entidades são apresentadas. Temos Donar, Bast, Dvalin, Mama-Ji, Barão Samedi e Mama Brigitte, Columbia, Iktomi, Balor, Gnaskinyan, Ame-No Uzume, incluindo a divindade do Dinheiro. Mesmo com pouco tempo de tela, esses outros seres e personagens acrescentam ao enredo e colaboram para o andamento da história.
American Gods – 2ª Temporada
Novamente, a série aposta em pequenos contos de seus deuses já estabelecidos, para narrar a História da América (e dos deuses e das crenças) através dessas icônicas figuras. Portanto, mais uma vez temos um episódio intenso, complexo e sensível sobre racismo, envolvendo Mr. Nancy, Bilquis e Mr. Ibis, enquanto outro é completamente dedicado a mostrar um pouco mais do passado de Wednesday num cabaré nos anos 40, durante a Segunda Guerra.
Entre os episódios marcantes, temos também o primeiro, intenso e sangrento em um bar; enquanto no outro, a direção vai ao delírio envolvendo um carrossel e o verdadeiro mundo dos deuses. Entretanto, com uma perda pelo caminho. Cenas de sexo selvagem e de batalhas campais em séculos passados também pontuam a narrativa. A trama é embalada por diálogos muito bem construídos, sagazes e que dizem sem falar.
Laura, mesmo com uma participação mais reticente, brilha sozinha quando aparece. Acompanhamos sua jornada em busca de ressurreição e de tudo o que ela é capaz de fazer para chegar onde precisa. Shadow dessa vez pergunta menos e faz mais, servindo como a verdadeira ferramenta de Odin. Do lado inimigo, Mr. World e Technical Boy encontram numa perda de elenco, um ganho de enredo, com a adesão da Nova Mídia e tudo o que essa figura, tão contemporânea e evidentemente poderosa, é capaz de realizar enquanto influencer.
O que esperar dessa segunda temporada
Mas é também entre o grupelho vilanesco que a série mais fica abstrata. Com sequências confusas e de difícil interpretação, muitas vezes desgastando o espectador. Praticamente todas as cenas com o “Filho” CEO são um porre. Uma prova disso é o fraquíssimo último episódio. Diferentemente dos 7 anteriores, que são muito acima da média, o oitavo é anticlimático, confuso e incapaz de realizar algo emocionante, que nos desperte interesse para a já confirmada terceira temporada. É difícil entender as escolhas de direção aqui, que fogem completamente do que vinha se construindo. Mesmo assim, ele se preocupa, ao menos, em fazer uma grande revelação. O que, de qualquer maneira, não justifica a opção intimista falha que se resultou.
À parte dessa grande falha, o show é todo de Mad Sweeney. Diferentemente de Salim e o Gênio – que tem pouco a fazer por aqui –, Mad recebe os melhores momentos de toda a segunda temporada. Tanto em sua intensa relação com Laura Moon, quanto com Wednesday. Ele ganha um episódio inteiro para explicar o seu confuso passado. Ou seja, um mosaico espalhado de histórias diversas, onde nenhuma é verdade e todas são reais ao mesmo tempo. A atuação de Pablo Schreiber se destaca na produção com uma figura melancólica, que já não tem nada a perder. Mas ainda lhe resta um grande ato.
American Gods – 2ª Temporada não perde o fôlego estabelecido nas origens, injeta mais alucinógenos na narrativa e mesmo que não seja uma série para se maratonar, pois requer atenção no meio de tanta abstração, ainda é um dos materiais mais legítimos e singulares da TV atualmente. Seu poder, acima de qualquer visual acachapante, está nas entrelinhas, afinal.