O Exorcista – 2ª e última temporada
Série reinventa a mitologia, mas sente o peso do legado
Depois de uma excelente primeira temporada, que dava continuidade a trama de Regan no presente (mantendo a essência do filme original), o segundo ano de O Exorcista precisou fazer escolhas complexas ao se distanciar de uma história que já foi contada, para dar andamento a jornada dos padres exorcistas Tomas e Marcus. Agora, distantes dos grandes centros urbanos, a dupla segue pelo meio oeste americano tentando realizar um exorcismo. Enquanto isso, o marido xerife e os demais cidadãos tentam impedi-los, por não compreender a ação. No Vaticano, a conspiração demoníaca continua se desenvolvendo, com um cauteloso Benett tentando impedir tal avanço.
Mas é no lar de adoção no meio de uma ilha que o coração do seriado se encontra. Agora temos o personagem do lutuoso Andy Kim (interpretado pelo sempre inspirado John Cho). Ele está rodeado de crianças com personalidades distintas, que ajudam a compor o complicado mosaico que vai se formando. Então algo de sombrio desperta (ou não, afinal sempre esteve ali). Assim, temos a adolescente rebelde (na pele de Brianna Hildebrand, que esteve nos dois filmes do “Deadpool”), o menino cego, o mais bobão, o cristão, entre outros, incluindo aí uma menina que tinha sido diagnosticada erroneamente como possuída e depois passa a integrar tal família.
A dinâmica que essa subtrama causa no plot principal é interessante, porque a todo momento deixa a dúvida de quem será o incorporado da vez, um suspense que é sustentado até o meio da temporada, quando chega a primeira revelação (com nível de impacto semelhante ao que aconteceu no primeiro ano) e então várias perspectivas mudam, aqui, à lá O Sexto Sentido.
O Exorcista – 2ª Temporada
Mesmo que o enredo se reinvente para trazer novos dinamismos, é inegável notar o quão descaracterizada a série fica em alguns momentos, como no ótimo começo, do já citado exorcismo em uma caminhonete, depois galpão. Remete imediatamente a série Supernatural, mas não a consagrada adaptação de William Peter Blatty. Toda a conspiração do Vaticano, por mais intrigante e grandiosa que seja, se distancia ainda mais dos mitos consagrados tanto no filme de 1973, quanto na primeira temporada. Portanto, é com o lar adotivo de Kim e seu drama muitíssimo bem realizado, que a série renova sua identidade. Mesmo que ainda um pouco desfigurada do que esperamos de tal produção.
Alfonso Herrera e Ben Daniels estão mais à vontade do que nunca em seus papeis de exorcistas. Eles seguem dramas próprios e tem um desenvolvimento distinto. Padre Tomas se vê no dilema de seus novos dons (ou seria uma maldição); e o excomungado Marcus não consegue mais ouvir a Deus e acaba criando um novo relacionamento na ilha onde o mal reside. A adesão das moças Li Jun Li e Zuleikha Robinson ao elenco é um acerto, pois Rose e Mouse trazem performances que contribuem para o andamento da trama e expansão daquela mitologia.
Não só o drama é bem trabalhado e melancólico na medida, como a execução do terror (ora psicológico, ora gore) aumenta na escala. Os efeitos invadem a narrativa no tempo certo. Entre os trunfos da produção, ainda temos os pesadelos que servem para confundir tanto personagens quanto o espectador. Afinal, nunca temos certeza do real ou imaginário. Em dado momento e pelo uso excessivo, tal recurso acaba se desgastando, mas nunca deixa de ter serventia no roteiro.
Conclusão…
Os dez episódios acabaram sendo um ônus para a série que, da metade para o final, demonstra certo desgaste. A história se enrola em um clímax alongado, mas a recompensa chega mesmo assim, com desfechos emocionantes, improváveis e poderosos, preservando o trabalho digno que Jeremy Slater concebeu desde o princípio. É uma pena, portanto, que a Fox tenha cancelado o seriado. Falando sobre depressão, homossexualidade, autismo e variados tipos de abuso, O Exorcista jamais perde seu valor de entretenimento e fornece um terror de classe. Melhor do que mais da metade dos filmes de terror contemporâneo.
O legado, mesmo descaracterizado, acabou prestando tributo ao original e essa compreensão da essência é que tornou a falecida série em um material de primeira.