Doutor Sono, a continuação de O Iluminado
Inspirado no livro de mesmo nome, de Stephen King, Doutor Sono é a continuação de O Iluminado. Danny Torrance (Ewan McGregor), o garotinho de O Iluminado cresceu e se tornou um homem traumatizado e que recupera diversos hábitos de seu pai, como o alcoolismo e a violência.
Tentando se recuperar, Danny vai parar em uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos. Lá ele começa a se comunicar mentalmente com Abra (Kyliegh Curran), uma menina que também é iluminada. Juntos, os dois começam a investigar o sumiço de diversas crianças que possuem o mesmo dom que eles.
Doutor Sono – Danny
O protagonista é Danny Torrance, assim como em O Iluminado (o título do livro se refere a Danny), embora em muitos momentos pareça que Jack, o pai de Danny, seja o personagem principal. Isso se deve por dois fatores: no caso do filme de Stanley Kubrick, em função da atuação de Jack Nicholson, que de fato chama muita atenção e é um dos pontos altos do filme, mas também porque as ações de Jack pontuam toda a ação da obra.
Essa é uma dinâmica que permanece em Doutor Sono. Na continuação, encontramos Danny já adulto (agora se apresentando como Dan) e vivendo uma vida bem parecida com a de seu pai. Ele bebe todos os dias, se envolve com mulheres diferentes a cada noite e se volta para a violência a qualquer momento. Alguns desses aspectos são características que o próprio Danny temia em seu pai, mas que ele não pôde evitar repetir.
Muito do alcoolismo de Danny também diz respeito aos traumas que ele carrega. E não só em relação ao pai, mas também ao período que a família passou no Hotel Overlook, um local cheio de espíritos malignos que perseguiam Danny sem misericórdia. O álcool anestesia a iluminação de Danny.
Com direito a refilmagens
Para que o espectador possa conhecer Danny, inclusive aqueles que, por acaso, não assistiram ou não leram O Iluminado, o diretor Mike Flanagan nos apresenta um pouco da infância de Danny (nessa fase interpretado por Roger Dale Floyd) depois que ele saiu do Hotel e como ele aprendeu a lidar com sua iluminação e com as assombrações que ainda o visitam.
Mais tarde, quando Danny resolve, por fim, ficar sóbrio, sua iluminação volta com força total e ele passa a se comunicar com outra criança que tem os mesmos dons que ele, Abra Stone.
Abra
Doutor Sono é um filme que se divide entre vários personagens, mais ou menos como no livro. Além de Danny, o longa também acompanha Abra, uma adolescente que tem os mesmos poderes de Danny, mas em uma potência ainda maior. É Abra que entra, sem querer, na mente de Rose (Rebecca Ferguson) e descobre uma associação de pessoas que se alimenta de crianças iluminadas, se tornando assim, ao mesmo tempo, uma perseguidora e uma vítima de Rose.
Quase que por acaso, Abra consegue se comunicar com Danny mentalmente, através de um quadro negro no quarto dele. No começo, as mensagens são amigáveis e até divertidas, como se Abra usasse Danny quase como um diário. Quando a menina descobre sobre o sumiço das crianças, ela passa a buscar Danny pedindo por ajuda, com medo de que ela possa ser a próxima.
A relação de Danny e Abra, então, repete a relação de Danny e Dick Hallorann (Carl Lumbly), que em O Iluminado, explicou para o menino como funcionava seu dom.
Traumas
Este é um filme que fala sobre traumas, muito mais do que O Iluminado. Embora o primeiro livro (e consequentemente o filme) fale de um lugar assombrado não só por espíritos, mas também por memórias e acontecimentos terríveis.
Danny é um homem extremamente traumatizado, seja pela violência do seu pai, seja pelo que viu no Hotel Overlook. Ele evita lidar com seus fantasmas. Para Abra, muito mais jovem e esperançosa, a iluminação de fato parece um dom, que ela usa para se divertir e pregar pequenas peças nos seus pais. Isso até o momento em que ela se vê dentro da mente de Rose, tão assombrada quanto a de Danny.
O filme então, retorna ao lugar onde tudo começou, o Hotel Overlook, para que Danny possa finalmente entender que ele precisa enfrentar não só Rose, mas também os espíritos que o atormentaram quando criança, o hotel que destruiu sua família, seu pai que é quase uma sombra de si mesmo e os traumas que ele vem guardando, literalmente, em caixinhas desde aquela época.
Aspectos técnicos de Doutor Sono
O filme é relativamente fiel ao livro, mas é natural que algumas mudanças tenham sido feitas para que a trama fizesse mais sentido nas telas de cinema.
O filme mergulha um pouco mais a fundo no passado de Danny, por isso, no começo, acompanhamos Danny e sua mãe, Wendy (Alexandra Essoe) logo depois dos acontecimentos no hotel. Nesse aspecto, Flanagan faz um trabalho difícil e que poderia facilmente não funcionar. O diretor escala atores diferentes para viverem personagens tão icônicos e que já fazem parte do imaginário popular, afinal, é quase absurdo pensar em um Jack Torrance que não é interpretado por Jack Nicholson.
Essa é uma escolha que pode desagradar os fãs mais fervorosos do filme de Kubrick, mas que é bem justificada, uma vez que é impossível colocar os mesmos atores do filme de 1980 interpretando seus personagens e que os novos atores estão bem caracterizados e são relativamente parecidos com os originais.
Overlook Hotel
Outra escolha arriscada de Flanagan e que não está no livro é retornar ao Hotel Overlook e, automaticamente, a todas às assombrações que lá habitam. Também é um caminho que poderia não dar tanto resultado, mas funciona muito bem, uma vez que retoma diversos aspectos da trama original. Isso certamente vai agradar os fãs, já que tudo é feito com muito cuidado.
Também existe um grande zelo na parte técnica do filme e tudo meio que soa como uma homenagem ao clássico de Kubrick (mesmo que este seja mais fiel ao livro e portanto, à visão de King, do que a visão de Kubrick). Diversas cenas remontam ao filme antigo, assim como a cena em que uma mulher em um pesadelo de Danny tenta agarrar seu pulso, como já aconteceu em O Iluminado; e como o momento em que o próprio Danny procura emprego e a cena é extremamente parecida com a cena de Jack procurando emprego no hotel, até em seus ângulos.
O figurino de Danny também remete diretamente ao figurino de Jack, em O Iluminado, deixando mais do que claro de que Danny virou seu pai.
O elenco
O longa também tem boas atuações, como a dos atores que repetem papéis de O Iluminado e que se saem bem nesse intento, mesmo com toda a carga que esse tipo de atuação carrega; e a de Kyliegh Curran, que entrega uma Abra crível e adorável, que o público deseja acompanhar até o final.
Naturalmente que a atuação que chama mais atenção é a de Ewan McGregor, que parece a escolha perfeita para o papel de um Danny Torrance adulto, traumatizado e perdido nos seus próprios fantasmas. Mesmo que McGregor não tenha tanta semelhança física com Danny Loyd, que interpretou Danny no filme de 1980 (e que faz uma participação neste).
Considerações finais
Por fim, Doutor Sono tem dois problemas, que podem incomodar um pouco, mas que não atrapalham o resultado final. O primeiro é o emprego de Danny no asilo, onde junto com uma gata que vive no local, ele consegue reconhecer quem vai morrer e ajudar a pessoa na passagem. Esta é uma ótima trama e que tem bastante destaque no livro, mas no filme fica meio perdida. Isso poderia tranquilamente ter sido cortado, deixando o filme menos longo, uma vez que não tem tanto peso no roteiro.
A meia hora final do filme, que também destoa do restante, não era exatamente necessária para a trama. Ou seja, acaba deixando o filme com aquela leve sensação de que o diretor perdeu o momento correto de terminar a história.
Com diversas referências ao O Iluminado, mas ainda fiel ao livro de Stephen King, Doutor Sono nos apresenta a vida adulta de um dos personagens mais famosos do cinema e da literatura e fala sobre crescer e encarar nossos traumas e medos. Doutor Sono entra em cartaz no dia 7 de novembro.