Cats – Alguns gatos e muitas perguntas

Cats é inspirado no musical de Andrew Lloyd Webber. Na trama, Victoria (Francesca Hayward) é uma gatinha que acaba de ser largada na rua, mas logo encontra os Jellicles, uma tribo de gatos que todo ano se reúne para decidir qual deles vai para Heaviside Layer, onde terá uma nova vida.

Para isso, cada gato faz uma apresentação para a Velha Deuteronomy (Judi Dench), a responsável por decidir quem vai ser o escolhido.

Uma montagem de Cats no teatro
Uma montagem de Cats no teatro

Cats – O musical

O musical Cats é inspirado em um livro de poemas de T.S. Eliot, chamado Old Possum’s Book of Practical Cats, que apresenta boa parte dos personagens da peça, como Grizabela e Velho Deuteronomy. Lloyd Webber então, criou o resto da trama de Cats, assim como as músicas, que em alguns casos tem letras bem parecidas com os poemas de Eliot, a partir disso.

Cats estreou no West End em 1981, mas fez muito mais sucesso na Broadway. Cats chegou a Nova York em 1982 e ficou em cartaz por 18 anos. Depois disso, a peça teve montagens em diversos países como Japão, Alemanha, Chile, Colombia e Quatar. Ganhou até uma montagem aqui no Brasil, em 2010. O musical mistura elementos da ópera, do ballet e até do circo, uma vez que em vários momentos os atores passam pelo palco em trapézios e que um dos gatos é capaz de fazer mágicas.

Taylor Swift em cena de Cats
Taylor Swift em cena de Cats

É impossível negar a importância de Cats, afinal, é o primeiro musical a se transformar em um mega espetáculo. Seu sucesso pode ser contabilizado no número de anos em que ficou em cartaz e no número de montagens que ganhou. Este é um musical que é conhecido fora do circuito de musicais, por pessoas que nem gostam de teatro musical e é curioso que ele não tenha um grande filme inspirado nele até hoje (o primeiro filme inspirado em Cats é de 1998, não é uma grande produção e é basicamente a peça filmada). No entanto, mesmo sabendo de tudo isso, existem muitas coisas para se questionar em Cats.

A história

A trama de Cats é um pouco confusa e até meio sem sentido. Acompanhamos um grupo de gatos que se autodenomina Jellicles. Todo ano esse grupo faz um concurso para saber qual gato vai ganhar uma nova vida. Naturalmente que se tratando de um musical, essa competição é feita através de números musicais que contam as histórias de vida de cada um dos gatos concorrentes. A impressão que se tem é que alguém que gostava muito de gatos e de musicais resolveu juntar as duas coisas. O que, no final das contas, soa como uma desculpa para fazer um musical.

Victoria é uma gata novata, que está conhecendo a tribo
Victoria é uma gata novata, que está conhecendo a tribo

Tudo parece meio absurdo, afinal, é obvio que nenhum ser humano consegue saber exatamente o que os gatos fazem durante a madrugada e mesmo que os estude com afinco não vai saber se através de miados eles estão participando de uma competição com os outros gatos da vizinhança. Mas é um tanto quanto surreal supor que uma trama dessa seja realista.

Até aí, tudo bem, nenhuma obra de ficção tem qualquer obrigação de ser realista e a ideia por trás de uma peça, um filme ou um livro é que o público compre essa ideia e não questione os seus defeitos. Entretanto, no caso de Cats parece que essa suspensão de realidade está segura por um fiozinho apenas e que qualquer coisinha pode fazer todo o espetáculo desandar.

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Outra questão que pode atrapalhar é que os números musicais não têm muita ligação entre si. Os gatos apresentam seus números e existe a ideia em comum de mudar de vida, mas basicamente, a impressão que se tem é que estamos assistindo uma série de gatos cantando músicas aleatórias. Tudo isso pode explicar porque o filme de Tom Hooper tem recebido tantas críticas.

Os Jellicles
Os Jellicles

O filme

O filme muda alguns aspectos da peça, que dão uma certa vantagem à produção. Victoria, a gata que acaba de ser abandonada na rua, funciona como uma ótima desculpa para apresentar ao público o mundo dos Jellicles. É com ela que assistimos cada um dos gatos fazer sua apresentação. Entre os candidatos a uma vida melhor estão Bustopher Jones (James Corden), Rum Tum Tugger (Jason Derulo), Gus (Ian McKellen) e Jennyanydots (Rebel Wilson).

Outra modificação interessante e atual é a mudança de sexo do personagem Velho Deuteronomy, que no teatro sempre foi interpretado por um homem, mas que aqui é interpretado por Judi Dench.

Francesca Hayward interpreta sua primeira protagonista em Cats
Francesca Hayward interpreta sua primeira protagonista

Mas nenhuma dessas coisas consegue salvar Cats do desastre que ele está programado para ser. O primeiro problema é justamente a trama. Esse não é um problema exclusivo do filme, mas no teatro, que nos entrega uma experiência muito mais imersiva, é bem mais fácil comprar a trama dos Jellicles. O problema é que o filme demanda uma suspensão de realidade imensa, que a produção de Hooper não segura nem por cinco minutos.

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A proporção do filme todo parece indecisa, em alguns momentos os gatos parecem ter o tamanho de ratos e em outros, parecem ter o tamanho de pessoas. Na primeira cena, quando uma mulher joga Victoria dentro de um saco no meio da rua, e a protagonista se revela, já ficamos com a impressão de que a mulher e a gata são do mesmo tamanho e que seria impossível para uma humana carregar um gato do seu tamanho dentro de um saco.

James Corden como Bustopher Jones
James Corden como Bustopher Jones

Os personagens não parecem gatos, eles parecem uma mistura bizarra de gatos com humanos. O fato deles andarem e se portarem como humanos prejudica o filme ainda mais. Uma vez que eles não têm tamanho de gatos e nem andam como gatos, a sensação que se tem é que estamos vendo criaturas inventadas por alguém que queria escrever um filme de terror, mas se contentou com um musical.

O longa até tenta ligar os números musicais, já que os gatos estão se apresentando para Victoria, mas mesmo assim, não funciona muito bem, especialmente quando ela encontra, por exemplo, Mungojerrie (Danny Collins) e Rumpleteazer (Naoimh Morgan), dois gatos ladrões que atraem Victoria para dentro de uma casa apenas para contar (ou melhor, cantar) sobre os seus feitos.

Diversas perguntas

Quando se assiste a um filme espera-se que ele responda às perguntas dos espectadores, a não ser que a proposta seja deixar o público com ainda mais dúvidas do que quando entrou no cinema. Esse não parece ser o caso de Cats, que é um musical clássico e que se vende como um filme para toda a família.

Por algum motivo, os gatos tem mãos e pés humanos
Por algum motivo, os gatos tem mãos e pés humanos

No entanto, quando o espectador sai de Cats, ele sai com diversas perguntas na cabeça, que talvez não devessem nem ter surgido para começo de conversa. Alguns dos gatos dos filmes usam roupas, enquanto outros andam por aí “pelados”; não existe nenhuma explicação ou lógica para isso. O mesmo vale para sapatos e chapéus; um dos gatos (Steven McRae), inclusive sapateia e claro, tem um sapato de sapateado. Outros gatos o acompanham, mas estão descalços.

Também não existe nenhum motivo para que as gatas tenham curvas humanas, uma vez que gatos e humanos não tem o mesmo corpo. Mas as gatas interpretadas por Francesca Hayward e Taylor Swift tem quadris e seios que são claramente visíveis. Todos os gatos têm mãos e pés humanos, o que faz o público ficar pensando se aqueles gatos sofreram algum tipo de mutação genética que os deixaram daquele jeito. Grizabella (Jennifer Hudson) tem até unhas pintadas de preto.

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Outras questões técnicas ainda pairam no ar: os gatos vivem em Londres e durante o filme até vemos algumas das atrações turísticas da cidade. Eles frequentam latas de lixo, casas dos humanos e a rua, no entanto, também existe um “bar de leite” no meio da cidade, como se em qualquer grande cidade do mundo existisse um bar que vendesse apenas e unicamente leite. Se Cats se passasse em uma cidade habitada apenas por gatos, seria mais do que compreensível que eles frequentassem um bar que só vendesse leite, mas em que situação, humanos abririam um bar que vende só leite?

Cats tem bons números musicais
O filme tem bons números musicais

Quando o filme apresenta seu vilão, Macavity (Idris Elba) tudo fica ainda mais confuso. Macavity é um gato procurado (que tem até o seu rosto em pôsteres pendurados na rua) e extremamente poderoso. Por algum motivo, ele é capaz de fazer com que os outros gatos desapareçam. Como que esse gato se tornou tão poderoso a ponto de sumir com outros da sua espécie, não sabemos. E o filme certamente também não se dá ao trabalho de explicar. O filme apresenta outro gato mágico, Mr. Mistoffelees (Laurie Davidson), mas que é um pouco menos absurdo, já que ele faz mágicas mais simples como tirar coisas da cartola e sumir com moedas.

As músicas

Pode-se falar muitas coisas sobre a produção, mas é impossível dizer que o filme tem músicas ou números musicais ruins. O filme usa as músicas que foram compostas para o musical, e entre elas estão Prologue: Jellicle Songs for Jellicle Cats, The Old Gumbie Cat, The Rum Tum Tugger, Grizabella: The Glamour Cat, Mungojerrie and Rumpleteazer, Macavity: The Mystery Cat e claro, Memory. Beautiful Ghosts foi composta exclusivamente para o filme por Lloyd Webber e Taylor Swift e se encaixa muito bem no tema do filme.

Cats tem poucas falas e praticamente emenda uma música na outra, como uma ópera e como Hooper já tinha feito anteriormente em Os Miseráveis, o que exige uma certa paciência da plateia. Se você é uma pessoa que não gosta de musicais e que não entende qual é o motivo de pessoas (ou gatos) cantarem em filmes, talvez Cats não seja para você. E mesmo se você gosta de musicais, o filme pode se tornar cansativo, já que uma coisa é escutar uma série de músicas sobre a revolução francesa, como acontece em Os Miseráveis, outra é escutar uma sequência de músicas sobre gatos e suas vidas.

Judi Dench como a Velha Deuteronomy
Judi Dench como a Velha Deuteronomy

Claro que as músicas também não podiam sair do estigma estranho do resto do filme. Algumas delas têm acordes e sonoridades épicas, mas a letra fala basicamente sobre como devemos nos dirigir a um gato. No entanto, Cats tem de maneira geral, boas músicas e que são acompanhadas de bons números musicais. O filme tem cenas de danças bem feitas, como a de Jason Derulo, Steven McRae e Taylor Swift. A protagonista do filme, Francesca Hayward, é bailarina profissional e apresenta cenas de dança maravilhosas, que vem direto do musical, mas não funcionam tão bem assim no cinema.

Aspectos técnicos de Cats

É impossível falar de Cats e ignorar o CGI, que é o grande erro do filme. Hooper poderia ter partido para uma animação ou para uma estética que tornasse os gatos minimante realistas ou ainda, usar maquiagens, como fazem no teatro. Ao invés disso, ele preferiu colocar os rostos dos atores no corpo de gatos. Alguns dos gatos parecem extremamente mal feitos como Mr. Mistoffelees, que parece um borrão e Bombalurina (Taylor Swift) que parece que teve seu rosto espremido para caber dentro da cara da gata.

Jennifer Hudson em cena de Cats
Jennifer Hudson em cena de Cats

Outro problema, além das mãos e pés, é que alguns dos atores parecem claramente estarem vestindo roupa, como acontece mais uma vez com Bombalurina, que usa uma roupa obviamente maior que o corpo de Swift. Tudo parece meio mal feito, como se não dispusesse de uma grande produção por trás.

Mas é bom ressaltar que grande parte do elenco entrega uma boa performance, mesmo estando dentro de uma roupa ridícula de gato. Swift se sai muito bem, embora cante apenas uma música e tenha uma fala; Jason Derulo também está muito certo do seu personagem; Laurie Davidson, que interpreta uma espécie de galãzinho improvável funciona bem no papel e pode conseguir simpatia da plateia e Hayward está muito bem na sua primeira protagonista. Outro show à parte é Hudson, que interpreta a música mais famosa do espetáculo, Memory, em uma cena muito emocional. Todos eles também parecem ter incorporado trejeitos e maneiras de gatos. O problema de Cats não é de forma alguma, seu elenco.

A suspensão da realidade

Sempre que se assiste a um filme é natural que se faça, pelo menos, uma leve suspensão de realidade. Quando se assiste a um musical, essa suspensão é um pouco mais forte, afinal, em um mundo realista, ninguém canta e dança na rua e é acompanhado por uma legião de dançarinos e cantores profissionais que nunca viu antes. O que acontece em Cats é que ele certamente pede demais de seu espectador.

Os gatos parecem mal feitos
Os gatos parecem mal feitos

O longa de Hooper espera que o público permaneça no cinema por duas horas e acredite em uma tribo de gatos que tem mãos, pés e curvas humanas e que compete todo ano, com elaborados números musicais; em um vilão que consegue sumir com outros gatos apenas com um aceno de suas mãos (ou garras) e em gatos que dançam ballet, dança contemporânea e sapateado.

A impressão que se tem é que Hooper pegou todas aqueles questões que as pessoas fazem sobre musicais (como “porque eles cantam o tempo todo? ”, “mas todo mundo sabe dançar? ”, “mas como que todo mundo sabe dançar e cantar a mesma música? ”) e elevou a décima potência, fazendo com que Cats se tornasse um musical que faz os fãs de musicais se perguntarem por que os gatos cantam, dançam e sapateiam e mais ainda, se perguntarem por que esse filme sequer foi feito. Cats já está em cartaz.

Cats

Nome Original: Cats
Direção: Tom Hooper
Elenco: Francesca Hayward, Jennifer Hudson, Idris Elba, Taylor Swift, James Corden
Gênero: Drama, Comédia, Musical
Produtora: Working Title Films, Amblin Entertainment
Distribuidora: Universal Pictures
Ano de Lançamento: 2019
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2 Comentários

  1. Eu até entendo os questionamentos, mas eu particularmente não achei de todo mal.

    A CGI realmente estava esquisita, as musicas estavam emendadas umas nas outras, mas eu como expectador que não entende nada, consegui absorver a historia, acredito que até bem. Acho que a questão da suspensão de realidade, seria mais difícil de crer na historia se eles se parecessem mais com gatos, ficaria mais esquisito ate por conta da CGI. Na questão do musical, sobre todo mundo saber cantar, dançar e coisas do tipo, eu entendo que precisa ser feito por criar uma atmosfera para que seja mais convencível, do que simplesmente só 1 gato fazendo 1 coisa só. Sobre as roupas, acredito que apenas imagino, que os que a possuem são gatos que tem/tiveram donos, e animais possuem roupinhas, isso não é tão incomum. Sobre o Macavity, podemos imaginar algumas coisa, e eu gosto da parte de, ter que imaginar uma historia por trás da historia, como aminha versão dos cartazes, serem de procurados, mas pelo fato dele ter se perdido do dono dele, e se o dono dele fosse um bruxo, praticante de magia negra ou coisa do tipo(estou bem longe, mas é a historia que faz sentido, ao menos pra mim) e por isso ele sabe fazer o que faz, mas também quis fugir de seu dono. Acredito que tem defeitos sim, mas também vai do publico.

  2. Oi, Mike, tudo bem?
    Concordo que tudo é uma questão de opinião. Tem filmes que agradam mais uma ou outra pessoa.

    Também acho que se eles parecessem gatos totalmente ficaria bem estranho e que a tecnologia ainda pode ser melhor desenvolvida, já que outros filmes que usam ela, também ficam estranhos, por isso acho que a melhor opção para uma peça como Cats era uma animação, ou fazer como eles fazem no teatro, que é as pessoas vestidas de gato mesmo, mas acho que isso ficaria um pouco precário para o cinema, que pede mais realismo.

    Em relação a todo mundo saber cantar e dançar não vejo nenhum problema, esse é um aspecto do musical, né? E o filme, mesmo com o roteiro bem fantástico, tem um fio mais desenvolvido que a peça.

    Acho que a explicação sobre as roupas que você deu é bem plausível, mas o filme pede muita suspensão da realidade, porque afinal, estamos acompanhando gatos cantando, então acho que seria mais interessante que tivesse uma logica maior na maneira com que os gatos são retratados, afinal, é difícil comprar que uns tenham curvas humanas, outros não, uns tenham mãos, outros garras, uns usem roupas e outros não.

    Mas com certeza tem seu público sim, e talvez até atraia mais gente para o musical, que na minha opinião, é mais interessante.

    Abraços, Fernanda.

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