Mãe! – Um épico bíblico chocante e visceral

Que enaltece o patriarcado

Não há nada de complicado ou de difícil interpretação nessa nova produção de Darren Aronofsky, um diretor que sempre conversou com poucos, mas nem de longe esse é seu filme mais complexo. Porém, caminhando por um viés cristão, Mãe! se dá muito melhor do que o fraquíssimo “Noé”.

Se o público não sacar nos primeiros minutos que Aronofsky está usando símbolos e elementos para narrar toda a Bíblia (partindo do Gênesis, passando pelo Velho Testamento, até o Novo, chegando ao Apocalipse) em um resumo de quase duas horas, ao menos quando a personagem de Michelle Pfeiffer chega em cena, isso fica extremamente evidente.

E daí em diante não tem como não compreender todas as ferramentas utilizadas pelo diretor. Ele não faz questão alguma de ser discreto em sua versão intensa e visceral, que se aproxima bastante de um filme de terror, com um suspense poderoso se construindo a cada cena, sempre com a câmera colada em sua protagonista, sufocando-a, até a sonoplastia incômoda, cheia de estrídulos e outros sons naturais e perturbadores.

Mãe!
Mãe!

Mãe!

Jennifer Lawrence, em um dos melhores papéis de sua carreira, aqui como a Mãe-Natureza, se mostra tão indignada e atônita quanto o espectador durante toda a rodagem, tentando proteger seu bem maior (a casa: a Terra) em vão, que vem sendo, ao longo dos milênios, habitada, invadida e corrompida pela humanidade, intrinsecamente parasitária.

Ainda temos Javier Bardem como Deus (ou o Poeta, como é chamado aqui), Ed Harris como Adão, Pfeiffer como Eva, além de Domhnall e Brian Gleeson, que são irmãos tanto na vida real quanto na ficção, representando Caim e Abel. O público ainda pode brincar de tentar identificar outras figuras bíblicas no decorrer da sessão, assim como os quatros Cavaleiros do Apocalipse (Kristen Wiig certamente é a Guerra), entre anjos e arcanjos, além de profetas, mas provavelmente não encontrará Lúcifer (a não ser que, naquele porão…).

Aronofsky faz de Mãe! uma brincadeira marcante, sem necessariamente querer dizer algo com o filme. Faz dele mais uma experiência ora teatral (algo que a dinâmica da casa oferece em sua repetição, em sua transição entre os cômodos), ora sensorial (a morte de Cristo pelas mãos da humanidade, a carne e o sangue de Jesus de maneira literal, a Natureza sendo massacrada pela humanidade), ora com senso de entretenimento (levando o espectador a caçar referências.

Aqui estão elas:

A pia quebrando representando o Dilúvio; o fogo no aquecedor que explode tudo representando o Apocalipse; o fruto proibido ambicionado pelo primeiro casal do mundo; o corte na costela do homem que estava prestes a morrer sozinho; a marca na testa de Caim; o vidro em forma de cruz na porta; pessoas de etnias e culturas diferentes compreendendo os textos do escritor de maneira distinta e iniciando as primeiras ideias de religiões em cada cômodo (ou países); a Mãe “sentindo” as entranhas da Casa, do mundo que começa a sangrar, entre diversos outros símbolos para se atentar.

Repare, ainda, como é tratado o tempo na narrativa. Apesar de linear, ele é moldável através das eras e, em muitas cenas, um século se passa entre um corte e outro, conforme a Mãe navega pelos cômodos. No princípio, isso ocorre, mas de maneira mais tranquila, quando a Terra ainda era um terreno virgem. Depois, conforme a humanidade começa a se proliferar, essas transições se aceleram e tudo, do começo ao fim, na História ou na narrativa do longa, é cíclico, como de fato é.

Mãe!

A bíblia

Deus, ou o Poeta é retratado como uma figura ausente, que nunca está quando mais se precisa, apesar de conseguir apaziguar mentes turbulentas rapidamente. O diretor busca sempre enquadrar Bardem de maneira elevada, tomado de luz (como quando ele é visto no topo da escada, sob o sol). Também é mostrado como ele ama a todos igualmente e abre as portas de sua Casa para qualquer um, sem distinção. Certamente é isso mesmo o que leva à Torre de Babel, ou o caos, inclusive chegando a um descontrole completo, onde ele não tem mais força sobre os seus.

E, ainda que o Poeta demonstre fúria durante a expulsão de Adão e Eva do Paraíso (e apenas nesse momento), ele não é retratado como vingativo. Já é consenso nas comunidades cristãs que houve o Deus Vingativo do Velho Testamento e o Deus Bondoso do Novo Testamento, que na mitologia bíblica podem ser dois ou a representação de um, que “mudou com o tempo”. Ele relega a “fúria da natureza” para a Mãe. Relega o surto, de rachar o piso, ou a terra, à Mãe; a proibição de que a humanidade tivesse acesso a Cristo, à Mãe e relega o Dilúvio e o Apocalipse à Mãe.

Mãe!

O diretor polêmico

Assim, por mais que Aronofsky intencione usar de alguns recursos contextuais e visuais para criticar o machismo e a misoginia, ele acidentalmente os enaltece ao mostrar a figura do feminino como histérica, enquanto o masculino é apaziguador e sensato. Da Mãe como alguém que não quer estranhos em seu lar e do Poeta que abre a porta para todos. Da Natureza que destrói e do Deus que recria.

É claro, o diretor apenas está fazendo sua versão da Bíblia, majoritariamente patriarcal, machista e misógina (repare na cena das mulheres aprisionadas… não importa o período, a cena pode representar o ontem, o hoje e o amanhã). Mas a maneira que ele faz suas escolhas de direção fortalecem o mesmo argumento que ele quer combater, deixando assim a experiência bastante dúbia. Ainda que inevitavelmente impactante e poderosa, fazendo de Mãe! uma sessão perturbadora como um bom filme de terror deve ser.

E não há terror maior do que a história da humanidade, mesmo que representada por um livro de fantasia ou o um filme metafórico.

Mãe!

Nome Original: Mother!
Direção: Darren Aronofsky
Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Brian Gleeson, Domhnall Gleeson
Gênero: Drama, Horror, Mistério
Produtora: Protozoa Pictures
Distribuidora: Paramount Pictures
Ano de Lançamento: 2017
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