Uma Noite em Miami… – dirigido por Regina King
O improvável e poderoso encontro de um quarteto fantástico
A atriz Regina King estreia muito bem na direção de Uma Noite em Miami… essa curiosa adaptação da peça de Kemp Powers (que também retorna para o roteiro), sobre um interessante “e se…?”, colocando Malcolm X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke em um quarto de hotel em Miami, em fevereiro de 1964, celebrando a surpreendente vitória do famoso boxeador sobre Sonny Liston, enquanto se aprofundam em debates sobre a comunidade negra.
É impressionante o entrosamento do elenco em tela e ainda mais suas similaridades físicas em relação às figuras originais. Kingsley Ben-Adir, Eli Goree, Aldis Hodge e Leslie Odom Jr. brilham de igual maneira interpretando versões do Defensor do Nacionalismo Negro, o grande pugilista, o ex-jogador de futebol-americano e ator, e o Rei do Soul, respectivamente.
O enredo permite que cada ator tenha seu momento de holofote, mesmo que disputando palco com os outros três. Antes, porém, King faz questão de contextualizar o público apresentando cada um deles em seus mundos à parte em uma introdução repleta de ênfases, que vão se justificando depois ao longo da rodagem. Em outras tantas passagens, ela oferece lacunas propositais, deixando que o espectador pesque o mínimo sinal, sem que ele precise ser verbalizado. E são tanto os tapas nas caras (que chegam através de diálogos diretos) quanto essas nuances, que enriquecem o texto de Powers e transformam o filme no entretenimento delicioso que ele é, sem jamais se deixar cair para o melodrama ou para a panfletagem barata.
Uma Noite em Miami…
É a partir do segundo ato que o longa começa a mostrar a que veio e otimizar seu ritmo e, conduzidos pelas ideologias radicais de Malcolm X, os personagens saem da conversa de rotina para entrar no campo dos debates, onde, como seres humanos, eles naturalmente discordam, principalmente no que tange sobre racismo e a comunidade negra.
As sequências do ativista contra o músico, são de fato responsáveis pelos melhores momentos de Uma Noite em Miami, com os dois esportistas equilibrando a situação seja com ingenuidade, seja com sensatez. E mesmo assim o texto oferece outras pequenas pérolas, quando um dos seguranças interage com eles e acaba evidenciando como era sua vida antes de entrar para a Nação do Islã, e as atrevidas e divertidas comparações entre religiões e gangues, que no final das contas, são a mesma coisa. Sensacional.
Diferente de George C. Wolfe em “A Voz Suprema do Blues” (que também vem do teatro e também lida com a comunidade negra), Regina King sabe como trabalhar seus atores em cena, fechados num único cenário, sem perder a mão da linguagem cinematográfica, entregando uma história envolvente e muito melhor realizada, mesmo com seus desfechos inevitáveis.