Wandinha – 1ª temporada
Produção de Wandinha esbanja carisma através de personagens envolventes, trama de mistério na medida e uma protagonista singular.
Envolver os criadores de Smallville, Alfred Gough e Miles Millar, por trás da produção e roteiros de “mais uma série adolescente da Netflix“, com Tim Burton, o diretor que marcou toda uma geração, e a iconografia da Família Addams, em especial os adoráveis filmes dos anos 1990, era uma fórmula que não tinha como dar errado.
Mesmo sustentada em clichês de outras produções do gênero (O Mundo Sombrio de Sabrina, Riverdale etc.), Wandinha ainda consegue autenticidade, porque a dupla criativa sabe escrever sobre jovens para os jovens, com uma gramática que já funcionou duas décadas atrás com a série que conta a juventude do Superman em ambiente escolar.
Os clichês não são ruins quando convertidos em favor de sua narrativa, algo que Gough e Millar compreendem bem, pois brincam com os estereótipos de maneira inventiva e, principalmente, divertida. Misturar esses tropos aos filmes de Harry Potter, foi uma sacada e tanto. Diversas passagens de Wandinha nos remetem imediatamente a O Prisioneiro de Azkaban e O Cálice de Fogo, seja nas sequências de embates entre monstros, seja nas gincanas perigosas.
Wandinha e Tim Burton
O resgate de Tim Burton (não aquele que fez o fraquíssimo Alice da Disney, mas sim o cineasta por trás de Os Fantasmas Se Divertem e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça) acaba sendo responsável por boa parte dos atributos dessa obra, já que ele imprime todo seu DNA nos cenários, figurinos e direção de atores.
O humor ácido de Burton funciona na medida, com terror e suspense se equilibrando ao redor, com um pouquinho de drama no tempero. Os estalares de dedos e menções claras aos filmes noventistas reconfortam os velhos fãs, à medida que apresentam os clássicos para o futuro público, situando o espectador de que essa série se passa no mesmo universo, por mais que os elementos sobrenaturais, inexistentes em qualquer versão de Família Addams, sejam uma novidade. A princípio causam estranheza e nunca deixam de parecer uma ideia desnecessária, mas também não atrapalham o andamento do enredo, que em certo momento, na figura do monstro Hyde, acaba se justificando.
E claro: o retorno triunfal do grande compositor (e parceiro do diretor) Danny Elfman, que responde por mais da metade das trilhas marcantes da geração 80-90, entre elas o Batman de 1989, os Homem-Aranha do Sam Raimi, e até de O Estranho Mundo de Jack, entre outros. Suas composições conseguem ampliar a ambientação oitentista (por mais que a série se passe nos dias atuais), gótica e de terror, sempre com um senso de gravidade, mas sem deixar o lado divertido de lado (que mais uma vez, remete ao que John Williams compôs em Harry Potter).
Quem é ela?
Com trejeitos singulares, olhar marcante e comportamento atípico, Wandinha ganha vida na pele da magnética Jenna Ortega (que vem ganhando o coração do público desde Você, com passagem marcante por X e também Pânico 5, entre outras produções). A jovem atriz latina passou por poucas e boas nas mãos de Burton, que a fez aprender a andar como uma sombra, e também a ficar horas sem piscar, conferindo a sua protagonista não só um caminhar muito excêntrico, como o de um olhar bastante fulminante e que nos fisga como um anzol, estranho e belo ao mesmo tempo. Sua química com a fofinha Emma Myers é potente e faz parte da graça do show.
O elenco todo está super envolvido nessa produção, desde nomes fortes como Gwendoline Christie (em um papel infinitamente superior ao que ela realizou em Sandman) e do retorno da querida Christina Ricci, com aqueles que não aparecem muito, mas dizem bastante, como Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán, mas também com atenção devida a Jamie McShane, Joy Sunday, Riki Lindhome, Hunter Doohan, Percy Hynes White e outros. Não vamos nos esquecer do Mãozinha, de longe o melhor personagem depois de sua protagonista. A dupla que ele forma com Wandinha, mais ou menos como se fosse um bichinho de estimação, é divertidíssima e rende ótimas sequências.
O mistério duplo-carpado é envolvente, sim, mas previsível demais para quem é leitor de Sherlock Holmes, Agatha Christie ou já consumiu outras obras de Tim Burton, como o próprio A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça. Eu mesmo matei a charada, de quem eram os suspeitos, ainda no segundo episódio. O que não invalida a qualidade do suspense construído, já que mira em um público mais jovem, que provavelmente não vai adivinhar antes da hora.
Com uma produção suntuosa, digna do cinema, Wandinha também enche os olhos. E com todos os atributos levantados até aqui, a personagem e sua série, miram não só nos olhos (que jamais piscam!), mas também no saudosismo e no coração do público, oferecendo um programa que vai sair vitorioso em muitas sessões da tarde. E justamente por isso, é um sucesso de primeira.
https://www.youtube.com/watch?v=jC1UClvq9i8