Destrinchando Psicose! Livro, filme e série
Contém SPOILERS!
Acredito que todos conheçam a famosa cena do chuveiro, certo? Mas, de onde ela vem? Por que é tão popular?
Em 1959 o escritor Robert Bloch publicou um livro com uma história de assassinato inspirada pelo assassino real Ed Gein. Esse homem de Winsconsin ficou conhecido por ter sido condenado pela morte de duas pessoas e o desaparecimento de mais cinco, mas também porque ele costumava roubar corpos de cemitérios e criar lembrancinhas com os cadáveres. Não é à toa que Ed Gein inspirou também os assassinos de O Silêncio dos Inocentes e O Massacre da Serra Elétrica.
O livro de Robert Bloch, Psicose, é curto, super fácil de ler e chamou a atenção do diretor de cinema, Alfred Hitchcock, que comprou anonimamente os direitos do livro pagando onze mil dólares e depois comprou todas as cópias disponíveis no mercado para que ninguém o lesse e, consequentemente, seu final não fosse revelado. Psicose custou 800 mil dólares e faturou 60 milhões de dólares nas bilheterias do mundo inteiro.
No livro…
Conhecemos Norman Bates, um homem de 40 anos, de rosto gorducho, óculos sem aro, rosado couro cabeludo visível sob os cabelos ralos e amarelados. Ele vive com sua mãe num casarão colina acima do hotel que leva seu sobrenome. Eles estão sempre discutindo muito em diálogos como esse:
“Nunca me ouve, não é? É só o que a senhora quer, o que a senhora acha. A senhora me deixa doente!”
“Deixo você doente, hein? Pois bem: acho que não. Não, garoto: não sou eu quem deixa você doente. É você mesmo.”
Inegavelmente, a mãe está constantemente humilhando o filho, lhe jogando na cara que ele é um covarde, que nunca teve iniciativa, que nunca saiu de casa ou arranjou uma namorada. Mas Norman rebate dizendo que, na verdade, a mãe é que nunca deixou que ele se relacionasse com mulheres. Certamente há algo errado nesse cenário. Ela diz que ele odeia as pessoas. Ele diz que prefere a psicologia. Ela diz que a psicologia é suja. E assim seguimos nessas discussões que só elevam o stress e a mágoa.
Já no filme…
Ouvimos poucos diálogos entre mãe e filho. Norman diz aos seus hóspedes que a mãe é doente e precisa ficar sempre dentro de casa. É o que diz inclusive à Marion Crane, a hóspede que acaba de chegar durante uma chuva torrencial. Ela traz consigo uma enorme quantidade de dinheiro roubado, que Norman nem fica sabendo, pois a mata no chuveiro e se livra de todas as suas coisas. Só que não é Norman que nós vemos esfaqueando a moça, e sim sua mãe, ou melhor, Norman travestido de Norma, afinal, Norma Bates está MORTA!
“…Bates tinha se tornado uma personalidade múltipla, com pelo menos três facetas. Havia Norman, o menino que precisava da mãe e odiava qualquer coisa ou qualquer pessoa que ficasse entre ele e ela. Depois Norma, a mãe, que ele não poderia deixar que morresse. O terceiro aspecto poderia se chamar Normal – o Norman Bates adulto, que tinha de viver a rotina cotidiana e ocultar do mundo a existência das outras personalidades.”
Psicose é genial, né?
Mais recentemente, em 2013, foi lançada a série Bates Motel, que se propôs a contar a história antes de Psicose. Eles optaram por manter as características físicas do Norman do cinema, porque o Norman do livro não era nem um pouco atraente. Já Anthony Perkins, era uma gracinha. E Freddie Highmore encarnou muito bem Norman Bates, com alguns exageros, mas agradou bastante o público, gerando muito fãs para a série.
O destaque ficou, é claro, para a temida mãe, Norma Bates, que foi interpretada pela lindíssima Vera Farmiga. No livro a mãe também não era atraente, era magricela e prematuramente envelhecida, mas na série, é a mulher mais linda da cidade.
Bates Motel
Como toda série, Bates Motel também tem uma enrolação aqui e ali. Norman tem uns casos com umas garotas, Norma tem uns casos com uns policiais, e acontece muita coisa ruim nessa família. O passado, o presente e o futuro de todos eles é muito sombrio.
A série se passa nos dias atuais, então há celulares e tecnologia moderna, o que não prejudicou sua história. Norman tem um irmão chamado Dylan. E Norma tem um irmão chamado Caleb. Existem também muitos personagens secundários com histórias interessantes, como Emma, a amiga de Norman que tem problemas respiratórios e Alex Romero, o xerife destemido da cidade.
A produção teve cinco temporadas e chegou ao fim em 2017. Então, se você ainda não viu, CORRE, porque logo mais todos estarão falando das mudanças feitas com relação à história original de Psicose, que, na minha opinião, ficaram sensacionais!
Agora, uma lista de curiosidades sobre essa obra tão marcante:
- Ed Gein foi criado pela mãe, uma mulher religiosa e dominadora que desprezava o marido e acreditava que todas as mulheres (com exceção dela) eram prostitutas. Ed cresceu à sua sombra. Sem sair da fazenda onde morava, apenas para ir à escola, ele se tornou um rapaz tímido e solitário. Quando sua mãe sofreu um derrame, Ed cuidou dela. Após sua morte, ele começou a roubar corpos no cemitério. Desmembrando-os, Ed utilizava a pele para fazer máscaras e revestimento de cadeiras, ossos e crânios como enfeites, e partes do corpo como acessórios de roupa e utensílios da casa.
Por que P&B?
2. Hitchcock escolheu filmar Psicose em preto e branco numa época em que já havia cores nos filmes pois acreditava que, se mostrasse o sangue, o filme ficaria gore demais. Mas também seria uma forma de economizar no orçamento, que já era baixo. Para fazer o sangue na cena do chuveiro, foi utilizada calda de chocolate. E as facadas que ouvimos são os efeitos de sonoplastia de um facão mutilando um melão. A sucessão rápida de fragmentos na cena, compõe na mente do espectador, todo o horror de uma retaliação que não se mostra em nenhum plano. Gênio! No livro, Marion é Mary e no chuveiro ela é decapitada.
Segredos
3. Quando o elenco e a equipe começaram a trabalhar no primeiro dia, eles tiveram que levantar a mão direita e prometer não divulgar nenhuma só palavra sobre a história. Alfred Hitchcock também não revelou o final do roteiro aos atores até o momento de efetivamente filmá-lo. Ele inclusive fez um contrato com os cinemas para que não deixassem ninguém entrar na sala caso o filme já tivesse começado, assim todos que pagassem pelo ingresso assistiriam o filme do começo ao fim.
Sequências
4. Psicose (1960) foi seguido por Psicose 2 (1983), Psicose 3 (1986) e Psicose 4 – A Revelação (1990). Nenhum deles dirigido por Hitchcock, que morreu em 1980 e acho que não teria aprovado essas sequências. Todos trazem Anthony Perkins no papel do psicótico e edipiano Norman Bates. Pelo menos não mudaram o ator, né…
5. O diretor Gus Van Sant filmou um remake colorido de Psicose em 1998, que, mesmo tendo seguido o roteiro escrito para o filme original (por Joseph Stefano), foi considerado um dos piores filmes do cinema. Quando lhe perguntaram por que ele filmou cena a cena um novo Psicose, ele respondeu somente “Para que ninguém mais tivesse que fazer isso.” Estranho.
Van Sant inclusive deixava rolando um DVD do clássico para usar de referência e incluiu até erros de continuidade presentes no filme de 1960. A admiração era tanta que ele imitou Hitchcock fazendo uma aparição no filme na mesma cena em que Alfred aparece no seu filme, logo no começo. A filha de Hitchcock, Patricia, aprovou o remake e disse inclusive que refilmar quadro a quadro seria algo que seu pai faria (o que quase aconteceu, quando o mestre refilmou O Homem Que Sabia Demais de 1934 em 1956).
6. Casa dos Bates
A casa dos Bates no topo do monte foi inspirada pela pintura “House by the railroad” de Edward Hopper, pintada em 1925. Os detalhes arquitetônicos, o ponto de vista e o céu austero são quase idênticos aos vistos no filme. Certamente uma bela inspiração!
7. A trilha sonora é um dos pontos altos do filme, e Hitchcock admitia que 33% da eficácia do suspense do longa se dava devido à sensacional trilha composta por Bernard Hermann exclusivamente com instrumentos de cordas. Uma pesquisa realizada na Grã Bretanha elegeu a música de Psicose como a mais aterrorizante da história do cinema, superando assim as melodias de A profecia, O chamado, O Fantasma da Ópera e O Exorcista.
8. Com Psicose, Hitchcock diz que “A construção desse filme é muito interessante e é minha experiência mais apaixonante de jogo com o público. Fiz a direção dos espectadores, exatamente como se eu tocasse órgão“. Dessa forma, somos levados a tentar adivinhar o que vai acontecer com a suposta estrela do filme, Marion (Janet Leigh), que no primeiro terço do longa é morta e deixa de ser a protagonista. “Fazemos com que o público fique quebrando a cabeça, o mantemos tão longe quanto possível do que vai acontecer.”
François Truffaut diz:
“Acho que várias vezes o público muda de sentimentos durante o filme. No início, esperamos que Janet Leigh não seja pega. Ficamos muito surpresos com o assassinato, mas assim que Anthony Perkins elimina os indícios, ficamos a favor dele, esperamos que não seja incomodado. Mais tarde, quando sabemos pelo xerife que a mãe de Perkins morreu há oito anos, então mudamos abruptamente de lado e ficamos contra Anthony Perkins, mas por pura curiosidade.”
9. Em 2012 foi lançado o filme Hitchcock, sobre os bastidores de Psicose. Anthony Hopkins fez o papel de Alfred, Helen Mirren foi sua esposa Alma e parte importante de sua equipe, Scarlet Johansson era Janet Leigh e James D’arcy era Anthony Perkins. É gostoso ver como a obra vai se destrinchando por si mesma através dos anos. Atores de outra geração fazendo papéis da geração passada fazendo papéis em um filme que se tornou um clássico. Praticamente um “inception“. O que será que vão lançar mais sobre Psicose, ou sobre o mestre do suspense em momentos tão criativos?
10. Pois até mesmo eu, Veri Luna, essa que vos escreve, já fiz uma homenagem ao clássico Psicose. E você pode conferir aqui:
Peço desculpas, HAHAHA, mas fazer filmes entre amigos é muito divertido! Um beijo, Alfred :*