O Lagosta, de Yorgos Lanthimos, genial e único
Sozinho ou não, eis a questão. O Lagosta se passa em um futuro próximo, onde uma lei proíbe que as pessoas fiquem solteiras. Qualquer pessoa que não estiver em um relacionamento é imediatamente presa. Em seguida é enviada ao Hotel, um lugar onde terá 45 dias para encontrar um parceiro. Caso não encontrem ninguém, essas pessoas são transformadas no animal de sua preferência. Então são soltas no meio da floresta, onde também habitam os Solitários, pessoas que se rebelaram contra esse sistema e optaram por viver sozinhas, criando a regra de jamais se relacionarem. E, assim, ocasionalmente servem de caça para os hóspedes.
Imagine a sensação de assistir a algum episódio de Black Mirror, com toda aquela estranheza enquanto crítica de algo, mas troque a tecnologia pelo comportamento humano e você encontrará aqui um tiro certeiro sobre os relacionamentos modernos. Em sua linguagem singular, o diretor Yorgos Lanthimos coloca os personagens tratando o contexto absurdo com naturalidade. Há um sutilíssimo humor negro permeando todo o longa, em um roteiro praticamente genial, que também alfineta doutrinas e radicalismos políticos, tão comuns nos dias de hoje. Não há nada parecido com O Lagosta por aí.
O Lagosta vale a pena por muitos motivos
O elenco de peso se destaca justamente por andar na contramão. Pois as figuras em tela vivem em uma apatia constante, sem qualquer outro traço de alegria, tristeza ou fúria. Nos poucos momentos em que isso ocorre, são atenuados por um gesto displicente. Assim, mesmo que de maneira improvável, os tipos comuns interpretados por Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux, Ben Whishaw, John C. Reilly, Ariane Labed e Olivia Colman são impressionantes e enriquecem a narrativa. O Lagosta é permeado não por uma trilha sonora, mas por curtos momentos de um grave que bate e volta em certas cenas, que lembrou imediatamente o trabalho de som de O Iluminado.
Toda a lógica dessa distopia, a rotina do Hotel, as regras do mundo dos Solitários, a maneira mecânica como se comportam na sociedade, entre outros elementos, são muito bem sacados pelo diretor, que expande essa mitologia repleta de passividade, onde o amor é fabricado, ou um tipo de crime, mas nunca algo intrínseco.
O detalhe da obrigatoriedade em se relacionar com alguém vai ao encontro da pressão que as pessoas recebem da sociedade moderna de precisar de um parceiro para ser feliz. O que, inevitavelmente, leva muitos a se atentarem à detalhes inúteis e superficialidades apenas para sustentar esse relacionamento. As redes sociais estão aí para mostrar isso.
Outro ponto crítico, são as imposições que cobrem os dois lados do sistema. Enquanto que no Hotel não se permite que a pessoa fique solteira, a ponto de ser punida com a animalidade, entre os Solitários é o oposto. Então, o indivíduo nunca tem de fato uma escolha, a não ser que se rebele e corra o risco de enfrentar a punição da lei ou da morte.
Lembrem-se desse nome: Yorgos Lanthimos
Aqui não temos um filme comum e seu ritmo pode ser estranhado por um público mais acostumado a blockbusters. Portanto, estejam avisados. O roteiro é um dos mais criativos e interessantes dos últimos tempos, não à toa foi indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original de 2017. A história é engenhosa e inteligente, nada é entregado de mão beijada e toda explicação do filme é determinada pela própria trama.
Melancólico e estranho, O Lagosta nos permite escapar um sorriso de canto, ainda que cheio de apatia. Porém gera uma rica reflexão sobre o que estamos fazendo com nós mesmos, sozinhos ou não. Simplesmente genial.
Mas e aí, que animal você gostaria de ser?