A Dama Oculta – Um filme diferente de Hitchcock
Depois de uma nevasca, os passageiros de um trem são obrigados a passar uma noite em uma pequena pousada. Lá a jovem Iris Henderson (Margaret Lockwood) conhece a Srta. Froy (May Whitty), uma simpática governanta, e as duas combinam de se encontrar no trem no dia seguinte.
As duas mulheres fazem parte da viagem na mesma cabine, até que Iris pega no sono e, quando ela acorda, não vê mais a Srta. Froy no lugar. Ela procura a outra mulher no trem todo, mas não a encontra. Para piorar, nenhum passageiro sequer se lembra de ter visto a Srta. Froy.
Iris acha tudo muito estranho e começa a investigar, contando com a ajuda de Gilbert (Michael Redgrave), um musicólogo, que ela também conheceu no hotel. A Dama Oculta é inspirado no livro de mesmo nome, de Ethel Lina White.
O trem de A Dama Oculta
Boa parte da trama de A Dama Oculta se passa no trem onde os personagens estão viajando e é justamente por isso que ele se torna um elemento muito importante para o filme. O único momento do longa que não tem um trem como cenário é quando os personagens esperam a nevasca passar no hotel.
É no hotel que se formam alguns dos laços que perduram durante todo o filme e que, de certa maneira, empurram a trama para frente. Iris conhece tanto a Srta. Froy, quanto Gilbert, no hotel. Com a primeira ela se dá bem, com o segundo, ela entra em atrito quase que automaticamente.
Mas é no trem que as coisas realmente começam a acontecer. O filme é, inclusive, bem lento antes dos personagens entrarem no trem. Iris e a Srta. Froy entram juntas no veículo, dividem a cabine com mais algumas pessoas e tomam chá no vagão restaurante, mas depois que Iris pega no sono, a Srta. Froy desaparece misteriosamente, sem deixar nenhum rastro e ninguém no trem, além de Iris, parece sequer se lembrar que ela existe.
O fato do filme se passar em um trem em movimento, onde ninguém (na teoria) pode descer ou subir, aumenta a sensação de mistério e de claustrofobia presente no longa, afinal, aparentemente a Srta. Froy desapareceu sem deixar nenhum vestígio em um ambiente pequeno e restrito, e da mesma maneira que ela sumiu, Iris, que está atrás dela de maneira escandalosa, pode desaparecer também.
Um filme diferente de Hitchcock
A Dama Oculta é um filme de 1938 e vem antes de vários clássicos de Hitchcock, pelos quais ele é mais conhecido, como Psicose, Os Pássaros, Janela Indiscreta e Um Corpo que Cai e é possível notar algumas diferenças entre ele e os longas que são facilmente reconhecíveis como do diretor.
O que temos aqui é um filme policial com toques de suspense, que é inclusive inspirado em uma obra também do gênero, mas que começa de maneira bem diferente. Quando os personagens ainda estão no hotel, por exemplo, o longa parece muito mais uma comédia de erros, onde o local, que não esperava a chegada de tantos hóspedes ao mesmo tempo, precisa colocar Iris e Gilbert no mesmo quarto e não tem comida o suficiente para alimentar a todos, e o telespectador, que obviamente já conhece o estilo e a fama de Hitchcock, fica sem entender exatamente qual o sentido do filme. Isso muda, é claro, quando os personagens se veem no trem.
A sensação que se tem enquanto se assiste A Dama Oculta é que Hitchcock estava treinando seu estilo para que mais tarde se tornasse um diretor que trabalha quase que unicamente no gênero do suspense, embora use do humor negro com bastante frequência.
Isso não quer dizer que este é um filme ruim ou que ele não vai agradar aos fãs do diretor, muito pelo contrário. O longa é bem interessante, prende a atenção e deixa o telespectador ansioso e curioso para desvendar o mistério que circunda o desaparecimento da Srta. Froy – ou talvez a alucinação de Iris -, ele só demora um pouco para engrenar.
Aspectos técnicos de A Dama Oculta
O filme é bem produzido e, mesmo sendo antigo, não soa datado. É óbvio que o longa usa de técnicas que hoje estão ultrapassadas e que podem ser apontadas e reconhecidas pelos telespectadores atuais, mas elas não atrapalham a história e nem a apreciação total do filme.
O filme difere de outros longas do diretor porque não apresenta aspectos do suspense logo no início, e demora um pouco para prender, mas quando começa a apresentar sua trama, rapidamente se torna interessante e se desenvolve em um ritmo quase frenético. A Dama Oculta apresenta ainda um jogo interessante de sombras, que revela e esconde na mesma medida, e que aumenta a sensação de suspense e de claustrofobia.
O cenário escolhido é o grande catalisador desses sentimentos, uma vez que esses passageiros se veem presos em um lugar relativamente pequeno e de onde, na teoria, eles não podem sair. Se ninguém pode sair, é realmente estranho que a Srta. Froy desapareça sem deixar vestígios. Os outros passageiros dão a entender que talvez ela nunca tenha existido e que tudo não passou de uma alucinação de Iris, mas o público, que acompanha o filme pelos olhos de Iris, também viu a Srta. Froy e tem a tendência a supor que a governanta existe, ao mesmo tempo que o fato de acompanharmos pelo ponto de vista da protagonista, também faz com que questionemos se também acompanhamos suas alucinações.
E o que mais?
É fácil, no entanto, se afeiçoar de Iris, da Srta. Froy e de Gilbert, por isso, a tendência é torcer para que eles estejam certos e desvendem o mistério. A atuação de Margaret Lockwood, Michael Redgrave e May Whitty ajudam a aumentar essa sensação.
O filme tem alguns aspectos meio óbvios na sua trama, como por exemplo, a raiva entre Iris e Gilbert, que sabemos que mais cedo ou mais tarde, vai virar amor, mas o mistério por trás da história é de fato surpreendente.
A Dama Oculta tem tudo que um suspense precisa: um cenário claustrofóbico, personagens inteligentes e interessantes e uma trama intricada e misteriosa, e é um prato cheio não só para os fãs de Hitchcock, mas para qualquer pessoa que goste de investigar uma história enigmática. O filme chega ao Belas Artes à La Carte no dia 24 de junho.