A Noite nos Persegue, esteticamente impecável
Uma grata surpresa ultraviolenta escondida na Netflix
Em A Noite Nos Persegue, um assassino decide poupar a vida de uma garotinha após um grande massacre, mas agora ele terá que lidar com as consequências de sua escolha, pois isso o levou a se tornar o alvo número um da máfia.
Escrito e dirigido por Timo Tjahjanto, foi originalmente concebido como um roteiro e depois adaptado para uma graphic novel, antes de finalmente ser lançado como um filme indonésio, que ainda lançou para o estrelato dois de seus protagonistas, Joe Taslim (Star Trek: Sem Fronteiras) e Iko Uwais (22 Milhas). Apesar da premissa simples e clichê, todo o roteiro se desenvolve através da ultra-violência não gratuita. Usa de figuras improváveis para um espetáculo visual e sanguinolento, que deixaria Tarantino orgulhoso.
Com um esmero estético de encher os olhos, o longa de duas horas só não é tratado como “filme arte” pelos fins que justificam os meios, mas é tão deslumbrante visualmente como um Fonte da Vida ou Blade Runner 2049, por exemplo. Timo soma a isso sua grande habilidade com a câmera e tomadas de ação. Cada enquadramento é cirúrgico e serve ao enredo.
A Noite Nos Persegue
O filme explora algumas iconografias sutis, como a cruz vermelha em terceiro plano no apartamento do homem em queda, que depois será palco de uma luta sangrenta; planos ousados (ora em primeira pessoa durante a porradaria, ora em contra-plongée antecipando um gesto). E mantém o ritmo do começo ao fim, com um dinamismo enervante, tenso e vibrante. Embalado ainda por uma paleta de azul neon, contrabalanceada com o vermelho de sangue saturado.
O grande acerto do filme, contudo, são as lutas. Além de muito bem coreografadas (o mínimo esperado em qualquer produção asiática), também abrem mão de dublês. Afinal, praticamente todos os atores em tela também são lutadores profissionais. Eles sabem atuar, na medida do possível, entregando bons diálogos e momentos dramáticos em boa dosagem, sem que fique forçado ou ridículo. São muitas batalhas em tela e elas costuram a narrativa o tempo inteiro, fornecendo grandiosos e marcantes momentos.
Atenção especial a duas sequências:
A invasão do primeiro apartamento, onde estão os amigos do protagonista. É uma cena que toma quase todo o primeiro ato; entrecortada com enxertos de roteiro para não dar gastura no espectador. E o momento dentro do furgão da polícia, que é tão espetacular e preciso, que eleva a décima potência o que já vimos de semelhante em execução mais de uma década atrás, com a cena do carro em Filhos da Esperança. Mas ainda há outros grandes segmentos no longa, tanto naquela bela homenagem a Kill Bill no açougue, como também na academia durante o clímax. Sem se esquecer da luta entre três garotas, que supera até mesmo o que já foi visto em Atômica, para se dar um bom exemplo.
A Noite Nos Persegue visa atingir não só o público consumidor de artes-marciais, mas também realiza uma mistura bem-vinda de John Wick e Oldboy, extremante cru, sangrento e absurdamente realista, sem abandonar a história e o drama que permeiam as figuras em tela, com o senso de perigo sacrificando quase todos pelo caminho, onde ninguém é perdoado. Tudo isso, para salvar a inocência de um mundo sujo e cruel.
O filme é literalmente um soco no estômago. Portanto, merece ser descoberto por qualquer cinéfilo com o mínimo de bom gosto.