Atlantique – A volta dos que não foram, em drama sublime
Este filme franco-belga-senegalês, que representou o Senegal no Oscar passado, conta a história de amor proibido entre Ada (a ótima Mame Bineta Sane) e Suleiman (Ibrahima Traoré), para depois ganhar contornos sobrenaturais. Portanto, vá para a sessão ciente de que o realismo mágico se mescla sutilmente dentro do discurso social proposto no enredo, envolvendo exploração industrial e casamentos arranjados.
Atlantique
A diretora Mati Diop realiza um longa por muitas vezes poético e sensorial, em sua linguagem intimista tanto no trabalho de som, quanto de imagem. Com algumas narrações em off, algumas composições explorando o ambiente com despojamento (e o foco fantasmagórico no horizonte do oceano, o Atlântico), além de uma direção de elenco mais naturalista, imprimindo sinceridade em tela.
A cineasta também subverte o baixo orçamento com soluções autorais e bastante inventivas, principalmente na figuração das mulheres possuídas. Isso cria uma identidade desconfortável, ao mesmo tempo aterrorizante e sensual. Mescla doença com orgasmo em uma sacada sagaz, de que os homens mortos só conseguem entrar em mulheres para conseguirem aquilo que nunca tiveram.
De qualquer forma, Diop não caminha para o terror, apenas o sugere, flerta com ele e então retorna ao drama do luto, ao drama da desigualdade, ao drama do amor impossível, elementos esses que são o coração do filme.
Inconsistências
Por outro lado, a história não se isenta de problemas também, em especial em duas partes. A incoerência de que somente Suleiman é capaz de possuir um homem, para então poder contatar sua amada. Na lógica de suas intenções faz sentido, mas quebra a regra estabelecida na trama. E o pequeno arco do jovem investigador Issa (Amadou Mbow), que é visto como prodígio pelo comissário, sem ter feito por onde.
O rapaz também trabalha de uma maneira incoerente de como a polícia deveria se portar, agindo aqui somente na base da insistência e teimosia. Ele deixa em suas passagens os pontos frágeis da narrativa (como se Diop e Olivier Demangel, que escreveram o roteiro, desconhecessem as rotinas da área). Claro que a subtrama do personagem volta a ganhar consistência próximo ao final, quando entendemos sua serventia para o plano maior do além.
Com uma fotografia que valoriza as cenas noturnas e uma atmosfera de calor sufocante, Atlantique realiza uma fábula de amor, tragédia e vingança, que diz muito com pouco em uma produção bastante curiosa e marcante.