Beasts of Burden – Rituais Animais

Imagine uma curiosa mistura de Animais do Bosque dos Vinténs (um clássico desenho animado da TV Cultura) com Hellboy. Nessa primeira edição de Beasts of Burden – Rituais Animais, temos cães e gatos investigando e combatendo eventos sobrenaturais em uma aparentemente pacata cidadezinha (só que não).

Evan Dorkin (que escreveu muito para o Adult Swin, Space Ghost de Costa a Costa e até Super-Homem e Batman: Os Piores do Mundo) é bastante hábil enquanto roteirista e muito inventivo em suas criações. Partindo de um princípio básico do terror, ele sai do lugar-comum para brincar com novas possibilidades. Uma história de casa mal assombrada… “e se” fosse uma casinha de cachorro mal assombrada?

Depois desse gatilho, o autor criou um universo que é idêntico ao nosso. Os animais não são antropomórficos (ou seja, não andam nem gesticulam como humanos e só podem ser compreendidos entre eles). Eles resolvem casos bastante bizarros, que ao mesmo tempo referenciam Stephen King, Ray Bradbury, George Romero e evocam aquelas perigosas aventuras oitentistas realizadas por Steven Spielberg e outros diretores que sabiam mesclar terror com humor negro, tal qual Dorkin tão bem faz.

Beasts of Burden – Rituais Animais

E o quadrinho não tem ninguém menos que a maravilhosa Jill Thompson na arte. Você deve conhecê-la por Os Pequenos Perpétuos, Minha Madrinha Bruxa e Mulher-Maravilha: A Verdadeira Amazon. Seu traço casa perfeitamente com a proposta. Assim, ela retrata fielmente as várias raças de cães, alguns gatos, sapos, ratos e outros animais tal qual como os conhecemos na vida real. Eles se portam como animais, se movem como animais e parte da graça está justamente nisso. É como se um mundo secreto não estivesse sendo visto por nós, humanos. Ou seja, deixa-se para os “Cães Sábios” a responsabilidade de resolver toda paranormalidade que rola por aí.

O estilo de Thompson não só é lindo, como ainda entrega uma disposição de quadros dinâmica e enervante, que guia a leitura de maneira organizada, contribuindo para a compreensão das sequências e da leitura a todo o momento (e dos elementos que aparecem em cena), em composições magníficas, com cenários que saltam do comum para o extraordinário num virar de página. As cores vibrantes contrastando com as mórbidas são de encher os olhos.

Lembrando que esta HQ não é, definitivamente, uma leitura para crianças. Beasts of Burden – Rituais Animais explora histórias que vão de chuvas de sapos a um coven, de assombração a lobisomem, de golens a zumbis, tudo com muita crueza e brutalidade, sem perder o ar fofo dos mascotes, realizado de um jeito extremamente bem sacado, com personagens cativantes (são vários, cada qual com sua personalidade marcante e muito o que fazer em grupo – inclusive magia –, mas claro que o gato e o pug são os melhores) que preservam ricos laços de amizade, em uma narrativa fluída, bonita de ver e delicioso de ler.

Sensacional

Nas histórias curtas, é fácil o leitor se pegar rindo de alguns momentos, mesmo que tensos. Ao menos duas das tramas são fortemente sensíveis e tocantes, sendo elas a do garoto que acorda na casinha de cachorro, e da mãe que perdeu seus filhotes (segure as lágrimas se puder).

A edição caprichada do Pipoca & Nanquim lembra um livro de contos de fada (o que não é por acaso) e ainda traz depoimentos do roteirista e da desenhista, além de extras de produção de páginas e capas (com curiosos thumbnails e sketchbooks de Thompson). O encadernado possui as primeiras oito histórias publicadas.

Assustador, carismático, emocionante e arrebatador, Beasts of Burden – Rituais Animais é um quadrinho único e formidável, que consegue ser superior a muitas das histórias de terror que temos por aí, justamente por reinventar convenções do gênero. E não é todo dia que eu digo e repito que este é “o tipo de coisa que eu gostaria de ter criado”. Brilhante!