Dor e Glória: Almodóvar em seu melhor estado

Semiautobiográfico, deprimente e contido ao mesmo tempo. Sim, esqueça equívocos como Os Amantes Passageiros (2013), e disfrute de Dor e Glória sem receio.

Salvador Mallo (Antonio Banderas, melhor ator em Cannes por esse papel), um diretor veterano, relembra momentos de sua vida. Desde a infância até a madureza, seus amores, seus desejos, suas dores físicas e emocionais. Tudo isso a partir de um disparador no presente: o convite para uma homenagem de um filme seu de 32 anos atrás. Nesse processo, ele reelabora a relação com a mãe, a amizade com um ator e um amor deixado no passado.

Deixando de lado o escandaloso colorido da maior parte de seus filmes, neste Almodóvar temos o realçar de tons vermelhos (nos momentos mais desesperançados – aqui, quase como uma autorreferência às famosas tonalidades vibrantes em uma direção de arte agora mais sóbria) que gradualmente migram para um verde escuro ainda vívido. Com isso, somos imperceptivelmente manipulados em nossas sensações. Cria-se uma trama que passa a sensação de pessimismo. Essas cores sinalizam soluções que mostram o esforço da capacidade de adaptação.

Antonio Banderas e Julieta Serrano em cena de Dor e Glória
Antonio Banderas e Julieta Serrano em cena

Dor e Glória

Sim, o diretor é um dos mestres vivos do cinema atual. Passeia na linha tênue que separa o dramático do melodramático debulhando situações puramente humanas. Um dos personagens, o ator vivido por Asier Etxeandia, cita à dada altura sua própria capacidade de interpretar à moda mexicana sem perder a qualidade do trabalho. Esse é o mecanismo para jogar o espectador para dentro da tela. Ou seja, problemas com os quais nos identificamos, mas conduzidos por personagens fortes, que não lamuriam exageradamente em nenhum momento.

Assim, por mais que as coisas pareçam ruins, sempre há como se reconstruir ainda como humanos em um formato diferente de vida; ou seja, a vida segue. Mas cuidado com juízos de valores: isso pode ou não significar uma planície calma. O que fica, na verdade, é que não há necessidade de redenção e superação. Mas sim de reelaboração, ab-reação e adaptação.

Nesse sentido, Almodóvar se destaca. Sua capacidade de contar histórias, em momentos mais ou menos surreais, porém quase sempre factíveis, e as interações entre as pessoas, sempre necessárias para que essas pessoas saiam de um estado A para um estado B, não necessariamente realizador, mas possível de ser vivido e sempre mais desejado, pelo simples fato de ser um estado novo. Triste, o seu cinema sempre é mais belo.

A musa Penelope Cruz em Dor e Glória
A musa Penelope Cruz

Seus atores favoritos

Falar sobre Banderas e Penélope Cruz (como a mãe do menino Salvador nas memórias do protagonista) é chover no molhado. Almodóvar, um notório grande diretor de atores, tira sempre o melhor de seus prediletos. Cruz, inclusive, recebe uma homenagem em certa cena do filme, que deixa claro como ela é a musa do cineasta de 69 anos, ao brincar com sua imagem nas lembranças do personagem principal. Essa cena, em acréscimo, dialoga perfeitamente com uma outra, em que Mallo se relaciona com a mãe já idosa (Julieta Serrano), em que não se opta pela solução mais fácil, que seria envelhecer a própria Penélope por uso de maquiagem.

Uma menção aqui deve ser feita a Asier Etxeandia, ator e cantor basco indicado ao prêmio Goya de melhor ator por La Novia (2015), adaptado de uma peça de Garcia Lorca que seu próprio personagem em Dor e Glória chega a se referir. Alberto Crespo, humano em sua capacidade de colar os cacos de sua relação com Mallo, é, ao mesmo tempo, o disparador das já citadas reelaborações sensoriais do protagonista.

Este Dor e Glória complementa A Lei do Desejo (1987) e Má Educação (2004), formando com esses a chamada Trilogia do Desejo de Almodóvar. Recomendado, principalmente aos fanáticos por suas obras mais discretas e, por isso mesmo, mais poéticas.

Dor e Glória

Nome Original: Dolor y gloria
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz, Antonio Banderas, Leonardo Sbaraglia, Asier Etxeandia
Gênero: Drama
Produtora: El Deseo
Distribuidora: Universal Pictures
Ano de Lançamento: 2019
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