Em Um Bairro de Nova York – In The Heights

O musical Em Um Bairro de Nova York (que é o título que chega aqui para o filme “In The Heights”, uma tradução bem decente) está sendo o grande responsável por abrir a temporada de verão dos filmes lá nos Estados Unidos, onde o pessoal já tem a Covid parcialmente controlada, tem vacina para dar até em turista, e já está voltando a reabrir tudo, matando a gente de inveja (e não só de inveja que estamos morrendo) aqui no terceiro mundo, onde ainda se discute se cloroquina e máscara funcionam.

É pra sentir inveja mesmo, afinal, o filme é um musical legal pra cacete, daqueles que é pra se assistir em tela grande, com um puta som, no escuro de uma sala de cinema. Um filme que já nasce clássico, dadas as suas origens.

Em um Bairro de Nova York

HamiltonMania em um bairro de Nova York

Quando no ano passado eu fui totalmente absorvido pela HamiltonMania, tal qual um pelo de cachorro é sugado por um aspirador-robô, eu fui atrás de tudo o que Lin-Manuel Miranda já tinha feito na vida.

O espetáculo da Broadway “In The Heights” estreou em 2008. Foi o primeiro trabalho relevante de Miranda e já lhe rendeu o Tony Awards (uma espécie de Oscar dos teatros) de melhor musical, prêmio máximo da categoria. Lógico que os fãs (como eu), sedentos por consumir mais coisas do cara, foram atrás de assistir esse musical também – e fracassaram, já que a peça não está disponível nem no streaming do Paulo Coelho. Sobrou só esperar pela vindoura adaptação cinematográfica e devorar a trilha sonora disponível nos aplicativos de música (somente da peça, já que a trilha sonora do filme só foi disponibilizada uma semana antes da estreia).

Essa expectativa, e os nomes por trás da obra, tornaram o musical um dos mais esperados lançamentos do ano, mesmo com um orçamento humilde para o posto e com a pandemia atrasando o lançamento em mais de um ano.

Em um Bairro de Nova York

Respira

E é um filme perfeito para trazer o público de volta às salas de cinemas, aquecendo o coraçãozinho das pessoas para lembrá-las da vida como um dia foi. É um filme leve, colorido, com músicas deliciosas e personagens divertidos. É perfeito para trazer o verão (que está começando no hemisfério norte), principalmente este primeiro verão depois de um longo período complicado (tipo o que a gente está vivendo por aqui).

A direção é bem competente. O diretor é Jon M. Chu, que insiste em destacar que foi o diretor do legalzinho Crazy Rich Asians, para ver se a gente esquece que ele também dirigiu os fraquíssimos “Now you see me 2” e “G.I. Joe“. Chu brinca com as batidas das músicas e os sons ambiente, da mesma forma que Edgar Wright faz em Baby Driver.

Geralmente meu gosto de direção de musicais costuma ser mais simplório, com menos cortes e efeitos especiais e mais dancinhas tontas e foco nos atores tal qual ocorre em La La Land ou até no próprio Hamilton, cuja coreografia muitas vezes se limita a banquinhos sendo jogados pra lá e pra cá. Mas o estilo animado e caótico cai perfeitamente em Em Um Bairro de Nova York, misturando a bagunça de uma cidade cosmopolita como New York com a alegria e o gingado de seus personagens.

Em um Bairro de Nova York

Paciencia y fe

Os personagens, aliás, não são aqueles estereótipos de filmes americanos: são todos imigrantes latinos: porto-riquenhos, dominicanos, cubanos, mexicanos. “Immigrants: we get the job done!“, como já diz a icônica frase de Hamilton (outra história de um imigrante nos Estados Unidos). Deve ter sido uma difícil decisão de adiar o filme para não lançá-lo como uma provocação à política anti-imigratória de Trump, que seria tão importante nas eleições americanas do ano passado. Mas, com Trump derrotado e o público voltando finalmente aos cinemas, foi a decisão acertada.

A New York retratada não é aquela lotada de arranha-céus, linhas de metrô, pontos turísticos e táxis amarelos, mas é uma periferia local, como tantos bairros de periferia por aqui mesmo, ainda não tão desenvolvida. Turistas, quando há, estão perdidos.

O bairro de Washington Heights, cenário de toda a história, parece um personagem mais importante do que qualquer outro, com seu próprio arco e seus próprios problemas: a inevitável gentrificação vai tirando as características mais marcantes do local e esmagando cada vez mais o espaço de seus habitantes.

Não no filme: os habitantes são inúmeros, mais do que parece possível colocar dentro de um musical. Mas cada um tem seu espaço e suas angústias. A história de cada um é bem contada e parece até uma aula de roteiro – não no sentido de qualidade propriamente dita (não que seja ruim, pelo contrário), mas no didatismo. Não há pressa, eles são apresentados com uma história de fundo e até mesmo uma “I want song” para cada, aquele recurso tão usado em filmes da Disney para tornar fácil para o público embarcar na história.

Com tanta coisa, o filme é levemente mais longo do que precisava, mas suas quase duas horas e meia de duração passam consideravelmente rápido.

Em um Bairro de Nova York

No me diga

Uma bodega, uma ou outra história de amor, pessoas buscando sucesso, um apagão e um bilhete de loteria premiado entram nesse bolo de histórias. Tem, é claro, uma ou duas referências de Hamilton para os fãs mais obcecados caçarem. Mas sinopse nenhuma conseguiria abranger o tanto de coisa que é jogada na tela.

As músicas são bem menos inspiradas que os outros trabalhos de Lin-Manuel, como as que o cara compôs para Hamilton ou até mesmo Moana. Mas não poderia ser diferente, lembrando que ele as escreveu antes dessas todas e o seu trabalho só melhorou desde então. Mesmo assim, várias delas já estão tocando no repeat do meu Spotify há algumas semanas.

Com uma nota de otimismo e esperança, Em Um Bairro de Nova York é um filme delicioso que lança definitivamente o nome de vários de seus quase-desconhecidos atores a um patamar mais elevado das produções hollywoodianas. Além, é claro, de fincar ainda mais o nome de Lin-Manuel Miranda como um dos grandes produtores da nossa época.

Não que a gente já não soubesse. O próximo filme dele, bancado pela Netflix, já aproveitou a onda do lançamento de In the Heights pra deixar todos nós, putinhas de Lin, alvoroçados e ansiosos.

Em um Bairro de Nova York

Nome Original: In the Heights
Direção: Jon M. Chu
Elenco: Anthony Ramos, Corey Hawkins, Leslie Grace, Lin-Manuel Miranda
Gênero: Drama, Musical
Produtora: Warner Bros.
Distribuidora: Warner Bros.
Ano de Lançamento: 2021
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