Nós Sempre Vivemos no Castelo, de Shirley Jackson
Nós Sempre Vivemos no Castelo, publicado em 1965, é o último livro de Shirley Jackson. Nele, Merricat Blackwood é uma jovem de 18 anos, que vive com sua irmã, Constance e seu tio, Julian, em uma casa isolada. Os três vivem sozinhos e não mantém qualquer relação com o resto da cidade. Merricat é a única que vai até o centro para comprar mantimentos, mas mesmo nessas ocasiões, ela é hostilizada pelos outros moradores.
Através de lembranças e conversas, vamos descobrindo que há 6 anos uma tragédia atingiu a família Blackwood. Os pais de Merricat e Constance, John e Ellen, a tia Dorothy, esposa de Julian e o irmão mais novo das meninas, Thomas, foram assassinados porque ingeriram arsênico que tinha sido misturado ao açúcar usado pela família, para dar mais sabor a uma torta.
Julian sobreviveu ao envenenamento. Merricat estava de castigo e portanto não compartilhou a refeição envenenada. E Constance foi a única que embora estivesse na mesa, não colocou açúcar na torta. É por isso que Constance foi considerada a principal suspeita do crime, mas nada nunca foi provado. O veredito não foi o suficiente para os outros habitantes da cidade.
Merricat e Constance
As irmãs, no entanto vivem bem. Até o dia em que o primo delas, Charles aparece. Constance parece automaticamente seduzida por ele, mas Merricat pensa exatamente o contrário. Elas são irmãs que se dão bem. Mas por outro lado, elas são completamente diferentes. Constance é alegre e competente. Ela cuida da casa, cozinha, limpa e cuida do tio, que está preso a uma cadeira de rodas. Constance nunca sai da casa, e uma parte disso se deve ao fato de que a cidade inteira acredita que ela matou toda a sua família. Mas esse não é o único motivo.
Já Merricat é tímida e fechada. Ela tem dificuldade em se comunicar e embora vá a cidade com frequência, ela nunca fala com ninguém e é hostilizada pelos outros moradores. Também fica implícito no texto que Merricat tem uma leve sociopatia.
É justamente porque a personalidade das duas irmãs são tão diferentes que elas acabam se completando. Constance não gosta muito de se relacionar com pessoas, mas o faz com Merricat. Já Merricat parece fria, mas fica claro ao leitor que ela ama a irmã. Muita gente acredita que a irmãs representam dois opostos que habitavam dentro da autora. Jackson admitiu posteriormente que as personagens de Nós Sempre Vivemos no Castelo foram inspiradas nas suas filhas, Sarah e Joanne e na relação entre as duas.
Narrador não confiável
Nós Sempre Vivemos no Castelo é narrado por Merricat e embora o leitor consiga perceber que ela tem os seus problemas, é impossível entender o que acontece na casa dos Blackwoods por completo. Mais ou menos como o que acontece em Lolita, de Vladimir Nabokov. O leitor está nas mãos (e nas palavras) de uma personagem instável e que tem muito o que esconder.
Esse é mais um dos pontos interessantes do livro. Não sabemos se o que ele está lendo é completamente verdadeiro. Claro que o que acontece no presente é mais difícil de ser mentira. Mas e o que aconteceu antes, como por exemplo, o assassinato de boa parte da família?
Justamente por estarmos lendo o livro do ponto de vista de Merricat conseguimos, em parte, compreender o que ela fala e quase nos convencer de que o que ela nos conta é verdade. O livro é uma verdadeira brincadeira com a mente do leitor. Independentemente disso, Nós Sempre Vivemos no Castelo também é uma história de amor, o que fica claro na relação e no dia a dia das irmãs. Afinal, elas estão dispostas a passar por cima de tudo para proteger uma a outra.
Preconceito
Outro assunto que permeia a trama de Nós Sempre Vivemos no Castelo é o preconceito. Constance e Merricat sofrem preconceito na cidade onde vivem não só pela suspeita que paira sobre a cabeça de Constance, mas também porque são diferentes do resto dos moradores. Constance que nunca sai de casa e Merricat que é uma figura excêntrica.
O preconceito contra o diferente é um tema comum nas obras de Jackson. Aparece também em A Assombração da Casa da Colina, que tem aliás, outro tema em comum com Nós Sempre Vivemos no Castelo: as propriedades imponentes que estão separadas das outras, tanto fisicamente quanto metaforicamente.
Esse também era um tema muito caro a Jackson, que foi vítima de preconceito quando viveu na cidade de North Bennington, que era consideravelmente atrasada para a personalidade da escritora e de seu marido, o professor Stanley Edgar Hyman.
Agorafobia
O livro também trata de um tema relativamente moderno, a agorafobia. Podia não ser claro para quem leu o livro na época de seu lançamento, mas para os leitores atuais fica óbvio que Constance sofre de agorafobia, uma vez que ela simplesmente não consegue sair da casa.
É interessante que o livro escrito nos anos 60 já fale de um tema que só seria discutido e levado a sério recentemente. Também é interessante a maneira como Jackson discute e mostra isso, já que a agorafobia aparece no livro de maneira bem realista. Esse também é um tema que tem relação com a vida pessoal de Jackson, que também sofria desse mal.
Adaptações de Nós Sempre Vivemos no Castelo
Embora seja um ótimo livro, Nós Sempre Vivemos no Castelo não é tão conhecido. Diferentemente de A Assombração da Casa da Colina, que já ganhou diversas adaptações, este livro de 1965, ganhou uma adaptação para o teatro em 1966. Posteriormente, em 2010, foi transformado em um musical.
Um filme dirigido por Stacie Passon e inspirado no livro está para ser lançado. No elenco estão Taissa Farmiga como Merricat, Alexandra Daddario como Constance, Sebastian Stan como Charles e Christopher Glover como tio Julian.
Seria muito fácil categorizar esta história como um livro de terror, pois como em outras obras de Jackson, o que predomina no livro é a estranheza. Se A Assombração da Casa da Colina, que usa de elementos sobrenaturais pode mais facilmente se enquadrar nesse gênero, fica meio difícil apontar o que exatamente é assustador em Nós Sempre Vivemos no Castelo. Assim, o livro se destaca por falar de temas relativamente modernos para a época em que foi escrito e por nos colocar na mente única, estranha e perigosa de Merricat.