O Passageiro – Reinventando o cinema de ação
Com energia e originalidade!
O espanhol Jaume Collet-Serra tem se provado um dos grandes diretores de sua geração. Em seu currículo temos os ótimos “A Casa de Cera”, “A Órfã”, “Águas Rasas”, além de outros três filmes com seu querido Liam Neeson, “Desconhecido”, “Sem Escalas” e “Noite Sem Fim” –, onde o realizador foge do lugar-comum, brinca com os elementos de cada gênero sem exatamente se prender aos tropos de cada um e injeta não só muita energia, como certa originalidade ao texto, transformando O Passageiro de “mais um filme”, para um “grande filme”.
Em sua quarta parceria com Neeson, Collet-Serra executa seu longa mais delirante e bem resolvido. Novamente flerta com Agatha Christie (à maneira como fez em “Sem Escalas”), ao colocar um homem de meia-idade prestes a se aposentar. O ex-policial que virou vendedor de seguros tem sua família colocada em risco no meio de um jogo improvável dentro do trem, envolvendo o pagamento de 100 mil dólares e a busca por um passageiro misterioso antes da última parada.
Brincando com arrojados saltos temporais que marcam em forma de montagem o início da trama (mas não continuam ao longo do filme), o diretor evidencia os dramas naturalistas do protagonista. Assim, pontua sua rotina, seja em casa com o filho, seja no trânsito com a esposa, seja pegando sempre o mesmo trem para o trabalho, em épocas e climas diferentes. Dessa forma, imprime desde o começo um estilo visual, que é também sua marca registrada de direção.
O Passageiro
Flertando com a dramaturgia, o diretor coloca o personagem de Neeson lendo romances clássicos em seu assento no vagão. Isso inclusive serve de chave em partes para a resolução do mistério. Traça uma sutil sugestão de que os muitos coadjuvantes do longa também possam ser tipificados dessa maneira. O elenco forte traz Vera Farmiga, Patrick Wilson, Florence Pugh e Sam Neil.
Temos a adolescente perdida, os dois colegas de viagem, o escroto de Wall Street, a imigrante latina, os maquinistas etc – todos suspeitos, mas ainda estereótipos sem alma. O que poderia tornar essa obra uma versão contemporânea de “O Assassinato no Expresso do Oriente”, acaba ficando pelo caminho, pois Collet-Serra não tem qualquer intenção em construir um mistério como em seu filme-Neeson anterior e sim reinventar o suspense de ação.
Inovações
Para tanto, ele faz uso de uma fotografia vertiginosa e uma direção de arte estilosa. Investe em um plano-sequência enervante, com outras sequências de ação dignas de nota (que em seu escopo de Filme B, que O Passageiro não abdica, ainda guarda exageros quase irreais). Trazendo também um jogo inédito de lentes, chamado Cinefade, o cineasta inclusive consegue tirar e colocar o fundo em foco sem precisar alterar o foco que já está no corpo de Neeson em primeiro plano – e que de fato é seu único interesse na narrativa, o de evidenciar o talento do ator para filmes de ação, de suspense e de drama familiar, muito além das produções fáceis e clichês nas quais tentaram enfiar ele antes. O astro é passageiro e trem ao mesmo tempo, implacável e humano.
Por isso, em filmes assim, com a marca inventiva de Jaume Collet-Serra, é sempre interessante seguir viagem e esperar o que virá na próxima estação.