Stranger Things 3, série amadurece junto de personagens
Os irmãos Duffer, criadores do programa que reverencia a cultura pop dos anos 80 com classe, sabem se reinventar. Depois de uma primeira temporada formidável, que já nasceu cult e de uma segunda que soube expandir a própria mitologia, eles repetem os acertos na parte 3. Considerando que os mistérios sobrenaturais já não são novidade, investem na evolução natural de seus personagens. O elenco está super à vontade em seus papéis, com figuras para todos os gostos. Assim, o amadurecimento é um tema paralelo e crucial de Stranger Things 3.
Isso não quer dizer que os monstros tenham perdido espaço. O Demogorgon do primeiro ano ainda continua insuperável, mas tanto o Devorador de Mentes do segundo ano, quanto esta massa disforme (à lá “A Bolha Assassina”) separada de seu cérebro, são aberrantes na medida. Cada temporada soube tratar a escala de gravidade de ameaça e nesta terceira, com uma criatura oriunda do típico terror corpóreo de David Cronenberg, o que antes era gore e assustador, agora se torna ainda mais terrível e pesado graficamente falando, com grotescas cenas de pessoas se dissolvendo em uma única massa de carne para compor o corpo do vilão (que ainda carrega ricas referências de “Invasores de Corpos”, “Enigma de Outro Mundo”, até “Alien: O Oitavo Passageiro” e “Jurassic Park“).
Stranger Things 3
Seguindo o padrão estabelecido, que iniciou a produção em 1983, a série agora se encontra em 85, com o lançamento, entre outros, do icônico “De Volta Para o Futuro”, usando o tema do filme do momento também como subtema da trama dos habitantes de Hawkins. A primeira metade da série acerta ao trabalhar melhor seus personagens. Ou seja, a relação entre eles, onde e como está cada um, com evoluções ou involuções intrínsecas a qualquer humano. Os Duffer então aproveitam suas figuras estabelecidas para criar novas dinâmicas. Separa-os em quatro grupos com “missões” distintas, que contribuem bastante para o andamento da história.
De um lado, temos um cada vez mais surtado Hopper, fazendo uma falsa dupla de detetives com Joyce, para sequestrar um cientista soviético enquanto fogem do implacável Grigori, assassino russo que presta uma clara homenagem ao T-800 de Arnold Schwarzenegger em “O Exterminador do Futuro”. Do outro, vemos um frustrado Steve (que não conseguiu ir pra faculdade e agora trabalha em uma sorveteria), junto de Dustin e os maravilhosos adendos Erica (a engraçada guria irmã de Lucas) e Robin (a melhor nova personagem da série), explorando um bunker comunista, infiltrado em Hawkis e acessado através do novo shopping da cidade.
Ouça o nosso podcast sobre o filme De Volta Para o Futuro
Nancy e Jonathan investigam o mistério dos ratos “para” o jornal local; e a turma formada por Eleven, Mike, Max, Will e Lucas segue em suas leves tramas à maneira dos clássicos de John Hughes, até se depararem com o novo desafio. Intercalar situações familiares e colegiais com conspiração e suspense sobrenatural, traz um equilíbrio engenhoso para a dramaturgia. Ainda souberam dosar melhor do que antes o momento de cada personagem, otimizando sua importância no enredo. De qualquer maneira, oito episódios pareceram arrastar a história do meio para o final. Portanto, mesmo com um bom desenvolvimento entre o episódio 6 e 7, a série parecia estar enrolando o espectador. Então, seis episódios teria ficado na medida.
Vale assistir
A falta de explicação para as intenções dos russos também trás um ônus para Stranger Things 3. Eles já haviam sido estabelecidos antes, mas eram peixe pequeno diante de outros mistérios mais relevantes. Entretanto, agora surgem como um dos principais inimigos. É claro que fica evidente a brincadeira dos Duffer aqui, de que a presença russa soe mais como um clichê de filmes da época, por conta da Guerra Fria e tudo o mais. Mas sem jamais evidenciar suas reais motivações, provavelmente querendo aumentar o suspense, acaba criando um vazio narrativo que empobrece a trama principal, ainda que não a tire do rumo, é claro, por conta dos outros ótimos momentos.
Entregando um desfecho trágico para muitos e dúbio (com direito a cena pós-créditos), a terceira temporada também dá os primeiros sinais de encerramento definitivo, deixando um final que poderia perfeitamente ser a resolução da série, mesmo que mais melancólica. Mas é sempre bom lembrar que os Duffer pensaram a dramaturgia construída de maneira semelhante a jornada de Harry Potter: conforme os personagens amadurecem, a ameaça piora. Se esse ano tivemos o equivalente a queda de Dumbledore, então devemos esperar o confronto com Voldmort em 2020? Eu espero que sim.
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