Cry Baby – Um pastiche da década de 50

Wade Walker (Johnny Depp), chamado de Cry Baby – porque chora por um único olho – faz parte de um grupo, conhecido como “os delinquentes” e é vocalista de uma banda. Ele gosta de manter sua imagem de “bad boy”, até o dia em que se apaixona por Allison Vernon-Williams (Amy Locane), uma menina rica que faz parte do grupo dos “quadrados”.

A avó (Polly Bergen) de Allison não aceita o romance e nem o namorado atual de Alison, Baldwin (Stephen Mailer), que é o líder dos quadrados e promete entrar em guerra com Cry Baby e os outros delinquentes.

Um romance proibido

Como acontece com frequência no cinema, Cry Baby usa de um clichê que ainda funciona: os amantes que não podem ficar juntos. A versão mais famosa disso é a peça de Shakespeare, Romeu e Julieta, mas o gênero musical bebeu muito nessa fonte e já usou essa trama em filmes como Grease – Nos Tempos da Brilhantina, High School Musical e Amor, Sublime Amor.

Johnny Depp como Cry Baby
Johnny Depp como Cry Baby

Este filme, no entanto, tem uma trama relativamente parecida com a de Grease, já que acompanha um bad boy que se apaixona por uma garota certinha e careta.

Assim, acompanhamos Cry Baby, este bad boy típico de qualquer filme dos anos 1950, que usa calça apertada, topete, jaqueta de couro, anda de moto, tem uma banda, não liga para a escola e é líder de uma gangue. Ele também tem suas peculiaridades, como chorar por um único olho.

O rapaz se apaixona por Allison, que é o seu exato oposto, e, portanto, a típica mocinha dos filmes da década de 1950: está sempre com vestidos rodados, rabo de cavalo, lacinhos e sapatos Oxford. Allison é uma estudante exemplar e tem um namorado, aparentemente, perfeito, mas ela também está cansada de tudo isso e, enquanto tenta se transformar, ela conhece e se apaixona por Cry Baby.

Gangues e tribos

O filme também apresenta personagens que fazem parte de gangues ou de tribos. Cry Baby e seus amigos são os delinquentes – no original “drapes”, que se refere a uma tribo urbana dos anos 1950 e 1960, formada em sua maioria por adolescentes e jovens adultos de classe baixa e por ítalo-americanos e latino-americanos – e Allison e seu namorado fazem parte dos quadrados – no original “squares”, que na tradução pode ser quadrados, caretas ou conservadores.

Cry Baby retrata uma história de amor proibido
Cry Baby retrata uma história de amor proibido

Claro que a intenção do filme não é se aprofundar em tribos dos anos 1950, por isso tudo é apresentado de maneira bem básica, mas a trama fala sobre o assunto à sua maneira. Não existe nenhuma explicação clara do que exatamente são essas tribos e do que elas representam no contexto do filme, mas o telespectador compreende, pela estética muito típica da década, que é conhecida mesmo fora dos Estados Unidos, e pela trama que deixa claro que Cry Baby e Allison fazem parte de grupos inimigos.

É assim que o longa também fala de um sentimento muito comum na adolescência: a vontade de pertencer. Não é à toa que as tribos, grupos e gangues são coisas que costumam atrair adolescentes e jovens adultos, em vários períodos da história. Cry Baby fala, de certa forma, dessa vontade não só de pertencer, mas também de encontrar pessoas que sejam parecidas com você e que gostem das mesmas coisas que você.

Personagens diversos

Cry Baby foi escrito e dirigido por John Waters e como é comum nos filmes do diretor, é cheio de momentos e tramas bizarras que só fazem sentido dentro do longa. Além de acompanharmos o personagem título e Allison, também acompanhamos seus grupos de amigos, que são repletos de personagens esquisitos.

Os delinquentes
Os delinquentes

Entre os delinquentes por exemplo, também estão Pepper (Ricki Lake), irmã de Cry Baby, que também já é mãe, Hatchet-Face (Kim McGuire), que tem o rosto deformado e Wanda Woodward (Traci Lords), que se veste de maneira sensual e tem vergonha de seus pais, que ela acha muito caretas.

Os quadrados não são tão bem representados e, embora andem em bando, a plateia só é apresentada a Allison, que está cansada de fazer parte do grupo, e seu namorado, Baldwin, que é um valentão com aparência de bom moço. A ideia é dar bastante destaque aos delinquentes, já que o mocinho faz parte do grupo e que o roteiro praticamente obriga o telespectador a tomar o lado deles.

As músicas

A trilha sonora de Cry Baby pode ser dividida em duas partes: as músicas cantadas pelos personagens (mas que foram cantadas por outras pessoas, não os atores), que são acompanhadas de números musicais e as músicas que são cantadas por outros artistas e que funcionam como uma trilha sonora de fundo, como a de um filme que não é do gênero musical.

Allison e Cry Baby
Allison e Cry Baby

No primeiro grupo estão músicas como King Cry-Baby, Doin’ Time for Bein’ Young, Please, Mr. Jailer e High School Hellcats, já no segundo grupo estão músicas como Bad Boy, do The Jive Bombers, (My Heart Goes) Piddily Patter, Patter, de Nappy Brown e I’m a Bad, Bad Girl, de Little Esther.

A trilha sonora é ótima e combina muito com todo o aspecto do longa. As músicas ou são rockabilly ou são Doo-wop, gêneros musicais muito típicos dos anos 1950. Cry Baby tem ainda bons números musicais que, assim como todo o resto do filme, são bem malucos e só fazem sentido dentro desse contexto, mas que são divertidos e que funcionam se o telespectador estiver disposto a entrar nessa trama.

É difícil dizer, no entanto, que Cry Baby é um musical no sentido clássico do gênero, já que é muito complicado comparar o longa com qualquer outro filme, mas é certo que os números musicais empurram a história para frente e refletem os sentimentos dos personagens.

Amy Locane como Allison
Amy Locane como Allison

Aspectos técnicos de Cry Baby

Para que o telespectador possa aproveitar o filme de maneira completa e passe inclusive a gostar muito da produção, é preciso estar disposto a entrar na brincadeira proposta por Waters e se desligar da realidade em muitos momentos. Isso porque o filme é muito único, e só faz sentido dentro da sua própria realidade, o que acontece com frequência na filmografia deste diretor.

Cry Baby se passa no mundo real e não pode ser classificado como uma obra fantástica, mas não é de maneira nenhuma um filme realista e precisa de bastante suspensão de realidade, muito mais do que geralmente é necessário em um musical. Aqui não só precisamos aceitar que os personagens cantam sobre suas vidas – mesmo que alguns números musicais aconteçam no palco – como também que Cry Baby só consegue chorar por um único olho, que Pepper, uma adolescente, já é mãe de duas crianças relativamente grandes e que carcereiros liberam prisioneiros apenas porque suas namoradas cantam do lado de fora da prisão. Tudo é muito surreal, mas ainda assim, faz muito sentido dentro do que o filme se propõe a fazer. E quando a plateia está disposta a entrar nessa história, Cry Baby é um filme muito divertido de uma maneira bem própria.

A estética do longa é, por si só, muito camp, tudo é exagerado, inclusive as atuações, que algumas vezes parecem pastiches de filmes como Grease. E esse parece ser um mote de Cry Baby, que pega a história do clássico de 1978, e transforma em uma versão um pouco mais maluca e selvagem. O longa também flerta o tempo todo com o politicamente incorreto, o que também é um elemento comum nas obras de Waters. A personagem Hatchet-Face (“cara de machadinha”, em tradução livre), não poderia existir da maneira em que foi escrita em um filme atual e a bandeira confederada que aparece em um show de Cry Baby seria ainda menos bem-vinda, e muito possivelmente já não era bem-vinda nos anos 1990, quando o filme foi lançado.

A estética do filme é rockabilly
A estética do filme é rockabilly

E o que mais?

O filme usa e abusa do estilo rockabilly, é impossível não reconhecer várias das tendências que sempre estão ligadas à década de 1950 nos Estados Unidos. Os delinquentes usam muito couro, calças justas, saias e vestidos apertados e muito decote, os meninos estão sempre de topete e as meninas desfilam penteados típicos da década. As maquiagens são bem fortes e sempre em tons escuros, as roupas são sempre pretas, cinza ou vermelhas.

Já os quadrados aparecem sempre de ternos e suéteres, as meninas usam saias rodadas e lacinhos, as cores são sempre branco, rosa, e tons pasteis. Quando Allison começa a se tornar uma delinquente, seu guarda roupa, seu cabelo e sua maquiagem também mudam. Ela passa a usar roupas justas e mais escuras, o cabelo está sempre solto e rebelde e a maquiagem fica bem mais escura, sempre acompanhada do batom vermelho.

O filme tem ainda boas atuações. Johnny Depp se sai muito bem, tanto na atuação, quanto nas cenas musicais, Amy Locane já interpreta uma personagem um pouco mais chatinha e é difícil gostar dela, mas ela consegue incorporar bem o clichê de mocinha de filme dos anos 1950. O longa tem também algumas participações interessantes, como Iggy Pop, Patty Hearst e Willem Dafoe.

Cry Baby é um filme bem produzido, mesmo que pareça não ser, e é justamente essa a graça, pois vive em um universo muito próprio, que pode facilmente desagradar e deixar o telespectador confuso, mas tem o seu charme e pode divertir muito quem está disposto a entrar nessa viagem junto com Cry Baby e Allison.

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