Dark – 3ª temporada – O desfecho
Amarra todas as pontas soltas e prova que não dá para ter tudo o que queremos, nem quando, nem onde
Depois de duas primeiras temporadas formidáveis, o grande desafio dos criadores Baran bo Odar e Jantje Friese era entregar respostas para todos os intrincamentos apresentados e assim evitar de cair em armadilhas com finais sem nexo ou que desrespeitassem tudo o que foi mostrado até ali – a exemplo de “Game of Thrones” e “LOST” (ambos marcos da TV mundial, que desapontaram na conclusão), principalmente este último, que em tom e estrutura, sempre serviu de base para DARK.
Para tanto e como visto nos minutos finais da segunda temporada, eles recorrem à ideia de “um mundo paralelo”, apresentando a Martha da Terra 2, que leva o Jonas da Terra 1 para lá, o salvando do apocalipse. A brincadeira dessa nova proposta se dá em mostrar cenários invertidos. Então temos a casa de Jonas na Terra 2 pertence à outra família e está espelhada, com a escada e todos os cômodos inversos. Além disso, os personagens estão em novas condições e relacionamentos, com novos cortes de cabelo etc.
Mas fica claro que o recurso é só uma desculpa para dar corpo a 8 episódios de 1h. O último tem a duração de um longa. Mesmo que a adesão de Eva, da Martha adulta e outras versões de figuras conhecidas seja curioso e divertido de ver em tela, é óbvio que a terceira temporada teria funcionado da mesma forma sem nada disso.
Dark – 3ª temporada
Um ponto que evidencia a falha da ideia é o terceiro episódio. Durante todo o “Déjà-vu” acompanhamos a investigação sobre o corpo do menino encontrado no Bunker, a relação com Mads Nielsen e Helge Doppler etc. Já vimos isso na primeira temporada. Agora, o mesmo caso é apresentado com uma perspectiva levemente diferente na Terra 2, mas em nada agrega ao enredo. Ou seja, deixa clara a “barriga” no roteiro, que enrola o espectador sem levar a lugar nenhum.
Fica-se entendido que muitos eventos se desenvolveram de maneira igual, apenas com diferenças aqui e ali. De fato, nada interessa saber o que acontece nesse outro mundo, para tanto, podia ter poupado repetir cenas, ao invés de apresentar novas (Agnes, por exemplo, e seu envolvimento com o homem sem nome, teriam merecido bem mais, assim como a investigação de Clausen sobre o desaparecimento do irmão, que sequer são relevantes por aqui).
Por outro lado…
Odar e Friese acertam a mão ao usar quase todos os episódios para responder às perguntas e o fazem (na Terra 1, onde importa). Não de forma fácil nem simples, mas à maneira como consagraram a série: com ousadia, nenhuma linearidade e novos enxertos narrativos, pulando de tempo em tempo (seja entre 33 anos, seja em 1 ou 2), resgatando inclusive subtramas que o público nem recordava mais, nem sabia que gostaria de respostas. Mas todas elas vêm e são satisfatórias.
Viajamos para o final do século XIX, vemos uma saída desértica da caverna e outras versões do bunker. Ganhamos respostas sobre “a mulher do lago”, o colar que une o amor dos protagonistas, a origem do caderno, porque aquele cara não estava ali, quem é pai ou mãe ou avô ou filha de alguém – expandindo o paradoxo de bootstrap para outras famílias, mostrando que no final das contas, quase todos são parentes em algum sentido e fazem parte do “nó”.
Aliás, “nó” e “origem” são as palavras-chaves da vez, com as forças antagônicas de Adão e Eva buscando ou manter um único mundo ou destruir tudo para alcançar o “Paraíso”, que seria o nada. Para tanto, além de viagem no tempo e mundo paralelo, DARK recorre ainda a realidades alternativas dentro de uma mesma linha temporal.
Leia aqui sobre a primeira temporada
Como por exemplo, o Jonas que parte com a Martha para a Terra 2 e o Jonas que fica e se esconde num bunker durante o apocalipse da Terra. Além disso, outros conceitos de paradoxos e, em toda sua estrutura de referências bíblicas, recorre também ao Gênesis, com uma “Terra de origem”, que por conta de uma experiência temporal, gera essas outras duas terras – que agora precisam ser eliminadas, ou esquecidas, para que o sofrimento acabe. Afinal, o sofrimento das famílias de Winden é eterno. Ninguém, pertencente a esse nó, realmente morre. Todos estão presos numa vida cíclica, num looping eterno.
E aí?
Assim, de repente e por conta de um insight mal explicado, esse vira o objetivo final do casal protagonista. Nenhum experimento ou sinal levou a essa conclusão, apenas uma reunião de ideias e achismos (repare nas narrações em off e no trabalho de edição, sutil, mas que denota sinais do desfecho muito antes dele chegar).
Subtramas de outros personagens ganham corpo e uma dramatização desoladora recai sobre a maioria, com mãe matando filha, filho matando mãe e por aí vai, tudo acompanhado da sempre imersiva e inspirada trilha sonora.
Em paralelo a isso, porém, a série não consegue evitar também um didatismo estranho, ao qual nunca recorreu antes e começa a explicar e re-explicar demais elementos que já estavam ou esclarecidos ou compreendidos pelo público, numa verborragia cansativa. Outro ponto que não funciona mais por aqui, é o lance de que muitos personagens acreditam ou obedecem cegamente a outros – e não me refiro aqueles que estão começando a descobrir a viagem no tempo, mas sim aqueles que já estão nisso há muito tempo. Sério mesmo que Jonas e Adam vão cair em conversinha a essa altura do campeonato? A fórmula não resiste.
Dark – 3ª temporada, o desfecho
Mesmo com esses desvios de caminho e escorregadas, Dark – 3ª temporada consegue não só arrumar a casa antes do fim, como apresentar uma solução eficiente e emocionante, que não deixa de evocar outras produções questionadoras da realidade, como “Interestelar”, “Inception” e principalmente “Matrix”, que não só é citada dezenas de vezes, como conceitualmente é a chave para o desfecho, que envolve sacrifícios, a busca pela paz (não mundial, mas aquela interna) e até mesmo visualmente, como no túnel de luzes, enquanto uma das séries de maior apelo global na cultura pop atual, também faz interessantes autorreferências, porque agora ela pode. E mostra que vida e morte não são tão diferentes assim, o que importa é o que está no meio, a vida, a jornada. Ela não é cíclica, é triangular.
Como disse Neo certa vez: “tudo o que começa, um dia acaba”. Ou será que não?