Greta, uma ode aos marginalizados
Pedro (Marco Nanini) é um enfermeiro de 71 anos, que admira Greta Garbo. Sua única amiga é Daniela (Denise Weinberg), uma artista transexual que está com graves problemas de saúde.
Quando ele tenta internar Daniela no hospital em que trabalha e não encontra nenhum leito, ele resolve levar Jean (Démick Lopes), um paciente ferido recém-chegado e acusado de matar outro homem, para a sua casa, deixando o leito para a amiga. É dessa maneira que Pedro e Jean se veem envolvidos em uma relação complexa e dependente.
Greta é livremente inspirado na peça Greta Garbo, quem diria, Acabou no Irajá, de Fernando Mello.
Personagens marginalizados em Greta
A ideia principal do diretor Armando Praça era retratar personagens que são marginalizados e que normalmente tem pouca, ou nenhuma voz no cinema. Segundo Praça “o cinema é em sua maioria, um lugar de personagens jovens e belos”.
Greta, por sua vez, vai completamente na contramão. O protagonista do filme é Pedro, um enfermeiro de 71 anos, gay e solitário, que tende a se envolver romanticamente com seus pacientes. Pessoas e corpos envelhecidos são rechaçados em diversos aspectos da sociedade e no meio gay, essa rejeição é ainda maior, por isso Greta é um filme diferente e corajoso.
Praça não tem medo de mostrar todas as nuances de Pedro. Ele é um homem sozinho e carente, que só deseja encontrar o amor. Os outros personagens do filme seguem a mesma linha. Daniela, a melhor amiga de Pedro, é uma mulher transexual que faz shows de dublagem que nos remetem diretamente à ideia que fazemos de drag queens, provinda de filmes como Priscilla – A Rainha do Deserto e Kinky Boots – Fábrica de Sonhos. O que vemos em Greta está muito longe do glamour que associamos às drag queens. O filme mostra a vida difícil de Daniela, o preconceito e a decadência dos personagens.
Solidão
A solidão é outro assunto que ronda o longa, nada mais justo, uma vez que a frase “I want to be alone” (Eu quero ficar sozinha, em tradução livre) foi atribuída à Greta Garbo, a grande homenageada do filme.
Solidão é tudo o que Pedro tem, relegado a sua condição de homem gay idoso, ele esconde sua realidade no hospital onde trabalha e enfrenta olhares feios dos homens, normalmente mais novos que ele, com quem tenta se relacionar. Ele repete diversas vezes que tudo que ele quer é ficar sozinho, como Greta Garbo.
Mas não é isso que ele demonstra. O que Pedro quer, na realidade, é encontrar uma companhia, um grande amor e vive buscando isso. Com a piora do estado de Daniela, a sensação de que ele vai, finalmente, estar sozinho no mundo aumenta e é nesse momento que Pedro, passando por cima de tudo que é razoável, sequestra e abriga na sua casa um homem acusado de matar outro homem em uma briga de bar.
Pedro e Jean
A relação de Pedro e Jean não é idílica, muito pelo contrário. Ela começa com um sequestro e se desenvolve para uma relação de dependência das duas partes, mas com motivos diferentes.
Pedro se sente solitário e deseja uma companhia. Assim, quando ele abriga, alimenta e cuida de Jean, ele se sente no direito de exigir amor e atenção do homem também. Jean, um homem desesperado, fugindo da polícia, não tem nenhum outro lugar para ir e nem dinheiro para sobreviver, por isso, acaba ficando na casa de Pedro e aceitando a relação que o homem lhe propõe.
Pedro é emocionalmente dependente de Jean, enquanto Jean depende de Pedro, por questões mais práticas, seja o teto e a comida que Pedro lhe oferece, seja os cuidados com os ferimentos que só um enfermeiro poderia dar.
Aspectos técnicos de Greta
Greta é um filme que trata de pessoas marginalizadas e sua estética segue essa ordem. Acompanhamos Pedro, que vive em uma casa simples, em um bairro pobre, e que está completamente na marginalidade.
A fotografia do filme é escura, o que aumenta essa sensação. Tudo parece sujo e decadente, como a vida de Pedro. Muitas das escolhas estéticas do filme são pautadas no gênero do melodrama, gênero no qual boa parte da cinematografia de Greta Garbo se encaixa, por isso o autor usa elementos clássicos do gênero, como câmera parada, enquadramentos em primeiro plano e muitas cenas em espelhos e vidros.
Uma vez que a ideia do diretor é mostrar personagens que normalmente não são mostrados no cinema, Greta coloca corpos idosos e que não estão dentro do padrão em voga, nus e em cenas de sexo quase explícitas. Mas é importante ressaltar que essas cenas não são fetichizadas e sim, realistas, o que é muito importante.
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Para Marco Nanini, que interpreta Pedro, o filme foi uma maneira de estar no papel de protagonista novamente, uma vez que os papeis para atores mais velhos vão se tornando cada vez menores conforme a pessoa vai envelhecendo. Ele também sentiu que o público que o acompanha desde jovem, tinha direito de ver seu envelhecimento físico na tela.
Nanini apresenta uma atuação magnifica que impulsiona o filme e que nos coloca ao lado de Pedro, sentindo a solidão e a tristeza como ele sente.
Greta de fato é um filme único, porque apresenta uma visão completamente diferente do tema, mas falha na sua duração, uma vez que é um filme mais lento e que portanto, ao longo do tempo, vai se tornando cansativo.
Repleto de melancolia e retratando pessoas que nunca tem sua história contada, Greta é um filme sobre solidão e a desesperada necessidade de curá-la.
O filme entra em cartaz no dia 10 de outubro.