Black Mirror – 5ª temporada, propostas inusitadas
Black Mirror – 5ª Temporada busca neste ano trazer um uso de tecnologia mais otimista para seus enredos, pelo menos na proposta divulgada para mídia, refletida também no pôster de humor negro. A série retorna com três capítulos escritos pelo criador Charlie Brooker. As análises abaixo trazem spoilers.
Striking Vipers
O episódio coloca uma amizade em cheque, quando dois melhores amigos voltam a jogar seu game de luta (que dá título ao episódio e é uma referência direta a Street Fighter V) e, dentro do espaço virtual, desenvolvem um relacionamento (um como uma garota lutadora – a Pom Klementieff de Guardiões da Galáxia, gatíssima –, o outro um rapaz guerreiro, Ludi Lin de Power Rangers).
Enquanto Karl (Yahya Abdul-Mateen II, o Arraia Negra de Aquaman) é um mulherengo independente, Danny (Anthony Mackie, o Falcão dos Vingadores) amadureceu, casou e agora vive uma rotina entediante (que fica bastante evidente no comportamento do ator). Nicole Beharie fecha muito bem o elenco com sua desconfiada Theo. Ela desenvolve o fetiche de ser sondada por outros homens em bares, apenas pra sentir a valorização que não encontra mais nos braços do marido.
A história passa a vender uma ideia de sexualidade reprimida, mas em seu desfecho ela prova que a verdadeira discussão aqui é a pessoa ser ela mesma (e encontrar prazer) somente quando está conectada. Afinal, como mostrado no clímax, quando no mundo real, os dois amigos não sentem qualquer atração um pelo outro. Ou seja, Striking Vipers não é sobre homens saindo do armário num jogo de videogame. É mais um debate ora sobre compromisso (representado pelo casamento em crise); ora sobre a questão do “second life” (a pessoa só é feliz no mundo virtual).
Sóbrio, o roteiro é redondo e deixa nas entrelinhas as demais compreensões, aspecto certeiro que Brooker também atinge nos outros dois episódios. Outro ponto bacana de se acompanhar aqui, é o cenário. Filmado todo em São Paulo, a história é carregada de uma ambientação familiar.
Smithereens
Este é, provavelmente, o capítulo mais pessimista dessa leva, ainda que a mensagem maior seja até poética. Andrew Scott (o Moriarty de Sherlock) brilha sozinho aqui, em uma história tensa que debate – e satiriza – a obsessão pela cultura do Vale do Silício e o poder das empresas por trás das redes sociais, colocando seu protagonista sequestrando o estagiário da citada Smithereens (o Twitter dessa realidade), para conseguir falar com o criador do app e CEO Billy Bauer (Topher Grace, eficiente em tela), e assim desabafar um trauma trágico e pessoal que sofreu, de maneira indireta pelo uso da rede social.
Sufocante e intenso, a direção é firme na proposta. O episódio consegue segurar todo o clima carregado até seu desfecho. Tem um enredo que toma rumos inesperados à medida que avança. O final, ainda que inevitável, transmite uma ideia clara de que, não importa qual seja o problema, as pessoas não se importam. O que vale, afinal, é sempre os likes, a divulgação em primeira mão e a fama instantânea. Muito mais do que uma vida.
Rachel, Jack and Ashley Too
Aqui temos uma divertida crítica à indústria musical e artistas fabricados (escalação certeira de Miley Cyrus para o papel de astro musical). No mais leve dos capítulos, acompanhamos a história de uma adolescente comum, Rachel (Angourie Rice, que apesar de ter 18, realmente aparenta ter 15 e se comporta como tal de maneira bastante crível), que passa por dificuldades em sua casa após a morte de sua mãe, mudança de residência e também intrigas com Jack (Madison Davenport, ótima), sua irmã mais velha.
Para lidar com tudo isso, ela busca inspiração na diva pop Ashley O, cujas letras falam sobre autoconfiança, esperança e resistência. Cyrus surpreende em sua melancolia reprimida. Após a cantora entrar em um estranho coma, Rachel descobre que sua boneca robótica Ashley Too (uma ideia cada vez mais próxima da realidade), inspirada na artista, pode ser um sinal de que as coisas também são complicadas para a sua ídola.
Assim, há todo um debate envolvendo abusos no meio artístico (no qual Susan Pourfar extrai bom material para atuar). Mas temos também um lado menos sombrio, com o divertido e aventuresco terceiro ato. Lembra muito um filme juvenil da sessão da tarde. As duas irmãs tentando recuperar a diva através da robôzinha (maravilhosamente dublada pela cantora, que traz um tom porra louca). As experiências do pai podem soar aleatórias e gratuitas a princípio, mas servem como ferramentas no clímax. No mais, é apenas um gag para representar o quão ausente e perdido ele é sem sua esposa. O episódio recicla ideias, mas fornece uma história com bom valor de entretenimento mesmo assim.
Black Mirror – 5ª Temporada
Ainda que carregue certo ar de repetição ecoando em seus três episódios, a quinta temporada consegue sustentar suas premissas com enredos intrigantes e engajantes, sem desapontar. Mas é como um sinal dos tempos. Certa reinvenção e novos roteiristas precisam agregar o time para um futuro próximo e não desgastar essa tão adorada antologia.