Pippin, um épico encenado em um cabaré
Pippin (João Felipe Saldanha) é o filho mais velho do rei Carlos Magno (Fernando Patau). Ele volta para a corte depois de um tempo estudando fora e reencontra sua madrasta Fastrada (Mariana Gallindo) e seu meio irmão, Lewis (Thiago Machado), que desejam dominar o reino.
Enquanto isso, tudo que Pippin deseja é encontrar um significado para a sua vida. Então, ele resolve sair à procura disso, a qualquer custo.
A história nos é apresentada por um Mestre de Cerimônias (Totia Meireles) e sua trupe, como se estivéssemos em um Cabaré.
A origem
A origem de Pippin remonta aos anos 60, quando Stephen Schwartz (De Wicked e Godspell) e Ron Strauss resolveram escrever um musical sobre o rei Carlos Magno e seu primogênito, Pippin. A peça, que a principio se chamava PIPPIN, PIPPIN foi pensada apenas como um exercício estudantil da Carnegie Mellon University, onde Schwartz e Strauss estudavam, e estreou no dia 28 de abril de 1967. O elenco também gravou um disco com as músicas da peça, apenas como recordação.
O álbum foi parar na mão de um produtor que demonstrou interesse em PIPPIN, PIPPIN. Strauss saiu do projeto, mas Schwartz persistiu, se mudou para Nova York e encurtou o nome da peça para Pippin. A peça não foi aceita logo de primeira, mas caiu nas graças de Bob Fosse (que dirigiu Cabaret, Charity, Meu Amor e All That Jazz – O Show Deve Continuar), o que deu fôlego a peça.
Bob fez suas próprias alterações na peça. Ele adicionou o Mestre de Cerimônias, que é hoje, um dos personagens mais importantes. Também deu a estética de cabaré que percorre toda a peça. Pippin estreou na Broadway em 1972.
Pippin no Brasil
Não é a primeira vez que Pippin vem ao Brasil. Em 1974 tivemos Marco Nanini no papel título e Marilia Pêra no papel do Mestre de Cerimônias. A montagem brasileira trouxe várias inovações. Marilia Pêra foi a primeira mulher no mundo a interpretar o Mestre de Cerimônias, que era originalmente um papel masculino. Na Broadway, isso só aconteceria 40 anos depois, no revival de 2013, com a atriz Patina Miller.
O assistente de Bob Fosse, Gene Foote, veio ao Brasil na época para ensinar as coreografias ao elenco brasileiro. A montagem causou tanto impacto que o cenário, o figurino e as coreografias serviram de inspiração para a primeira abertura do programa Fantástico, que também estreou naquele ano.
A música tema do programa, escrita por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, também foi inspirada pela música Magic To Do (Temos Mágicas, na versão brasileira) do musical.
Crise existencial
Pippin se dedica a retratar um acontecimento histórico, que não é completamente histórico. Embora seja verdade que Carlos Magno tinha um filho chamado Pippin e que algumas das coisas que aparecem na peça de fato tenham acontecido, boa parte do que vemos no palco é completamente ficcional.
Além disso, o foco não é a história real do príncipe e sim, a crise existencial que persegue o ser humano. Pippin passou toda a sua vida estudando e mesmo assim não se sente satisfeito. Quando ele chega à corte de seu pai, percebe que é completamente diferente de seu meio irmão, Lewis, forte, ignorante e que só pensa em guerra. É aí que Pippin resolve que também vai para guerra, procurando entender o sentido da vida.
A guerra não satisfaz Pippin, que então, resolve aproveitar a vida ao máximo. Portanto, vai a noitadas e bebe, o que também não o deixa feliz. E a peça prossegue com uma série de acontecimentos e tentativas que nunca o deixam satisfeito, fazendo o protagonista questionar o que o move. Essa é uma questão que pode fazer qualquer pessoa se reconhecer. Afinal, todos temos dúvidas e buscamos algo maior que justifique nossas vidas. Mesmo sendo herdeiro do trono, Pippin vive em uma eterna crise existencial, como qualquer um de nós.
A arte
Outro ponto que ganha bastante destaque no espetáculo é a arte. Toda a ação da peça se passa em um cabaré, que encena a história de Pippin.
O clima existencialista não está presente apenas no tema da peça, mas também na maneira que ela é encenada. O Mestre de Cerimônias vai nos contando a trama e, ao mesmo tempo em que explica o que acontece no teatro, somos apresentados a um ator que deve aparecer no clímax, mas sempre entra no momento errado; uma atriz que não decorou suas falas direito e que ultrapassa os limites do seu personagem o tempo todo; além de outros bastidores de um espetáculo.
Em vários momentos nos questionamos se estamos assistindo atores interpretando Pippin ou a história do verdadeiro Pippin. O que torna a peça ainda mais interessante. Também é possível entender o musical inteiro como uma grande metáfora para o amor a arte, seja ela qual for. Pippin passa o tempo todo procurando o que pode o tornar uma pessoa completa e realizada, um ponto que poderia ser preenchido com a arte.
No entanto, para se realizar completamente como artista (e talvez como qualquer outra coisa) é preciso se dedicar inteiramente a isso, sem dúvidas, sem hesitações, é necessário dar, literalmente, a sua vida a isso. À audiência resta apenas se questionar se Pippin é capaz disso.
Aspectos técnicos
A peça não chega ao Brasil com uma grande produção, mas é um musical bem feito e repleto de cuidados. O palco é decorado como um circo, e nos dá a impressão de que estamos em frente a um picadeiro e que nós, o público, fazemos parte daquele espetáculo.
O figurino é muito bonito. Embora a peça se passe antigamente, as roupas não são inteiramente de época. Quando você olha para as roupas dos personagens que encenam a vida de Pippin vemos roupas que nos remetem ao período, mas que são atuais. O resto da trupe, usa roupas extremamente coloridas e maquiagens extravagantes que acompanham o estilo das roupas. É tudo muito bonito e chamativo e é impossível desviar os olhos do palco.
A única exceção fica para o Mestre de Cerimônias que, embora mude de roupa durante o espetáculo, sempre usa preto e tem uma forte influência de musicais como Chicago e Cabaret, que também se passam em cabarés ou bares.
O que esperar
Pippin não pode ser definido completamente como um épico, embora tenha aspectos do gênero. Mas também não é uma peça de cabaré. Pippin é uma mistura das duas coisas, por isso também nos remete a musicais como Camelot e o brasileiro Merlin e Arthur – Um Sonho de Liberdade. Ou seja, é um épico que não se leva nem um pouco a sério. Tira sarro de elementos clássicos do gênero, deixando tudo mais leve e muito mais divertido.
O musical também tem aspectos circenses e vemos no palco os atores realizarem acrobacias e saltos impressionantes. As coreografias são muito influenciadas pelo jazz, típico do estilo de Fosse e uma das mais interessantes do espetáculo é protagonizada pelo Mestre de Cerimônias e mais duas dançarinas, durante a música Gloria.
A montagem também conta com boas atuações como a de João Felipe Saldanha, que interpreta Pippin e Bel Lima, que interpreta a irritante, mas ainda adorável Catharina e claro, a de Totia Meirelles, que está perfeita no seu papel.
As músicas
As músicas foram compostas pelo próprio Schwartz, e foram adaptadas para o português para a montagem brasileira. Assim como o resto da peça, elas são uma mistura de jazz e música de cabaré com aspectos circenses, o que ajuda muito no clima do musical.
Entre elas estão Temos Mágica, Meu Canto Sob o Sol, Gloria, A Vida é Só Uma, A Mulher Igual as Outras e Eu Vou Sofrer.
Pippin é um musical divertido e inteligente, que embora trate de temas históricos, parece não se importar muito com isso. Surpreendentemente, funciona muito bem.
O espetáculo está em cartaz no Teatro Faap, de sexta a domingo. Para mais informações, consulte: http://faap.br/teatro/em-cartaz.asp